quarta-feira, 9 de março de 2011

Pode-se usar “mantras” na meditação cristã?


D. Estevão Bettencourt, Osb.

Em síntese: Tem-se propagado no Brasil a Meditação Cristã, corrente de espiritualidade de fundo panteísta. Ensina a pessoa a sentar-se comodamente e repetir um mantra (Maranatha, por exemplo) durante cerca de vinte minutos duas vezes ao dia; fazendo-o, o orante “descobrirá a unidade de que faz parte, a unidade de todos em tudo” (John Main, fundador da Meditação Cristã). O panteísmo subjacente a estas palavras talvez fique despercebido a muitos cristãos.

A corrente de espiritualidade chamada “Meditação Cristã” foi fundada pelo monge beneditino John Main, que no Oriente assimilou as técnicas de meditação hinduísta; procurou integrá-las numa concepção geral de fé cristã, donde resultou a Meditação Cristã. Entre os fiéis católicos que fazem a experiência de tal espiritualidade, há os que se comprazem como também há os que se decepcionam por não encontrarem o específico cristão em tal prática.

Vejamos, pois, em que consiste a Meditação Cristã e como a avaliar.

  1. 1. Em que consiste?

a) O Boletim da Meditação Cristã do Rio de Janeiro nº 24 oferece as seguintes instruções:

“Como Meditar

(adaptado de textos de Dom John Main)

Quando meditamos, não estamos imaginando Deus nem pensando nele, como fazemos, legitimamente, em outras ocasiões. Na meditação procuramos fazer algo muito maior: estar com Deus, discernir sua presença em nosso coração. A meditação não é relacionada com o ato de pensar, mas com a naturalidade de ser. O objetivo de toda oração cristã é levar-nos à comunhão com o Deus Trinitário, permitindo-lhe tornar-se dentro de nós a realidade que dará sentido, propósito e forma a tudo aquilo que fizermos, a tudo o que fomos. A tarefa da meditação, portanto, é conduzir nossa mente a um estado de quietude, silêncio e concentração que envolva todo o nosso ser em clima de oração, aberto à Presença silenciosa e misteriosa de Deus.

Para meditar, convém procurar um lugar quieto e sentar-se confortavelmente, mas com a coluna ereta. Em silêncio, interiormente, comece a repetir uma única palavra. Embora outras palavras possam ser usadas, nós costumamos recomendar a palavra-oração “Maranatha”, que é uma aglutinação de duas palavras de aramaico, a mesma língua que Jesus falava. Significa “Vinde, Senhor” e é, provavelmente, a mais antiga oração cristã. São Paulo usou-a para encerrar Coríntios 1, e São João para encerrar o Apocalipse.

Esta é uma palavra radicalmente simples. Mas não pense em seu sentido – limite-se a pronunciar, mentalmente, cada uma de suas sílabas: Ma-ra-na-tha, em ritmo lento. Muitas pessoas associam essa repetição ao ritmo calmo e regular de sua respiração. Se pensamentos ou imagens aparecem, trate-os como distrações e simplesmente retorne à repetição da palavra. Medite todos os dias, cada manhã e à noite, por um período de vinte a trinta minutos”.

A palavra-oração a ser repetida é este mantra.

b) E que é o mantra?

O mantra quer dizer etimologicamente instrumento para pensar. É, segundo a filosofia religiosa hinduísta, uma palavra sagrada que representa a essência sutil e concreta de todas as coisas; tem poder divino como o tem a Divindade que o mantra exprime; materializa o poder da divindade invocada.

De todos os mantras o mais usual é o fonema OM, que pode ser decomposto em A-UM, símbolo do Absoluto, O guru, pronunciando mantras, desperta as energias latentes do seu discípulo. Com outras palavras: o mantra põe o indivíduo em contato com a energia dispersa pelo universo; produz efeitos de sintonia com o cosmo. A concepção subjacente é que o homem, o mundo e a Divindade constituem uma grande rede de energia: a pessoa deve procurar sintonizar ou colocar-se na onde de Deus para se encontrar com Deus e atingir o seu grande centro: Deus (a divindade), eixo do universo e centro da pessoa humana. – São palavras de John Main no citado Boletim:

“Ser bastante generosos para procurar a coisa única necessária. Naquele mesmo ato de procura descobriremos a unidade de que fazemos parte, a unidade de todos em tudo”.

“O chamado da oração profunda é nada menos que o chamado para ser, para ser você mesmo, para ser no amor, na confiança, em total abertura para o que é”.

“Você se descobre em unidade com Deus e com toda a criação por estar, finalmente, em união consigo mesmo. Sua consciência estará simplificada, integrada em Deus”.

Note-se a ênfase na palavra unidade, que significa mais do que união. O cristão tende não à unidade com Deus (pois sabe que Ele é transcendente), mas à união com Deus, respeitada a diferença entre Criador e criatura.

É, pois, evidente o fundo panteísta da Meditação Cristã, fundo este que pode passar despercebido a um católico de pouco senso crítico (alguns textos do Evangelho pretendem ilustrar os dizeres de John Main), mas bem perceptível a quem tenha clara noção do que é meditar no sentido católico.

  1. 2. E a Meditação Católica?

A meditação católica é a reflexão sobre algum ponto do patrimônio da fé, reflexão que mobiliza em certo grau a inteligência (e pode valer-se da memória e da imaginação); tem por objetivo avaliar mais profundamente o significado preciso das verdades reveladas, a fim de que o fiel chegue à oração e à mais íntima união com Deus.

Para obter este resultado, o cristão conta com a graça do Senhor, que lhe é concedida sem especiais artifícios de ordem física; compreende-se, porém, que o silêncio exterior e o silêncio inferior (no íntimo do orante) sejam condições oportunas para que possa haver reflexão ou meditação e oração. Não há postura física recomendada em particular no roteiro da meditação.

O exercício assim concebido é dito no Antigo Testamento “ruminar”; cf. Sl 1, 2. Entre os cristãos, este “ruminar” é praticado de preferência sobre o Evangelho e os feitos da Redenção. S. Agostinho (+ 430) o expõe nos seguintes termos:

“Quando tu ouves ou lês, tu comes; quando meditas o que acabas de ouvir ou ler, tu ruminas a fim de ser um animal puro e não um impuro” Enarratio in Psalmum 36, sermo 3).

Este texto supõe que Jesus Cristo seja o alimento da alma, alimento oferecido não só pela Eucaristia, mas também pela palavra bíblica. A reflexão assídua sobre essa Palavra é tida como “ruminação”, ruminação que caracteriza os animais puros conforme Lv 11, 3 e Dt 14, 6. O cristão, tendo lido ou ouvido a Palavra de Deus, quer saboreá-la e assimilá-la interiormente para que frutifique em sua vida.

A tradição dos monges desenvolveu esta prática, (Lectio Divina) assinalando quatro etapas para a oração cristã:

1) a leitura do texto sagrado, leitura pausada, feita na presença de Deus, até que o leitor encontre uma frase ou um versículo que o impressione por sua densidade; pare então e passe para

2) a meditação, procurando aprofundar o que o texto quer dizer; pode usar todas as faculdades da mente (intelecto, imaginação, memória…) para ir ao âmago do que o texto quer dizer; considere quem é Deus que fala e age…, quem é a criatura, objeto da ação de Deus, … quais as circunstâncias em que tal ação ocorre segundo o texto sagrado…

3) oração ou colóquio com Deus … a fim de adorá-lo, agradecer-Lhe, pedir-Lhe perdão e suplicar-Lhe as graças necessárias para corresponder exatamente à mensagem do Senhor. Por último, o orante se entre à

4) contemplação: deixa-se ficar tranqüilo, em silêncio interior, na presença de Deus, saboreando espiritualmente as verdades recordadas e procurando ouvir o que o Senhor tenha a lhe dizer…

Estas quatro etapas de oração constituem o que também se chama lectio divina; foram e são muito usuais em ambientes monásticos católicos. Do século XVI em diante, novos métodos de oração, inspirados por escolas de espiritualidade modernas, têm-se propagado entre os fiéis católicos; guardam todos a mesma atitude de pobreza interior, humildade. Confiança na graça de Deus, expansão da vida sacramental… São, entre outras,

- a escola inaciana, de S. Inácio de Loiola (+ 1556); os “Exercícios Espirituais” propõem o método das três faculdades da alma, a aplicação dos sentidos, a contemplação dos mistérios (ou da vida terrestre) de Cristo;

- a escola carmelitana e sua prática de meditação;

- a escola dominicana e seus exercícios de oração;

- a escola de S. Francisco de Sales e seu estilo de meditação adaptada à vida do cristão no mundo;

- a escola oratoriana, com seus mestres J. J. Olier e São João Eudes;

- a escola de São João Batista de La Salle, voltada para Religiosos não sacerdotes.

Tal é a riqueza da meditação cristã católica, fiel aos grandes princípios da fé e isenta de concepções panteístas.

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