quarta-feira, 9 de março de 2011

* É possível compatibilizar a fé e a meditação cristã católica com expressões religiosas de origem oriental,dentre elas a Yoga?

Para responder a essa dúvida, a Igreja lançou já há um certo tempo, uma carta onde aborda esse assunto de forma didática e clara,exatamente para orientar o povo de Deus.

A carta foi publicada pela Sagrada Congregação da Fé.

O que lemos a seguir, por causa do espaço, é um resumo feito pelo nosso inesquecível D. Estevão Bettencourt.

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Após a introdução (nºs. 1-3), tem-se o título

II. A Oração Cristã à Luz da revelação (nºs. 4-7), onde se lêem as seguintes considerações:

No Novo testamento, a oração é apresentada como obra do Espírito Santo, que ensina aos discípulos toda a verdade, completando a missão de Jesus (cf. 1Cor 2,10; Jo 16,13s). Especialmente o Evangelho segundo São João se presta a alimentar a contemplação do mistério do Verbo Encarnado ou de Deus que se dá ao homem; tal mistério, São Paulo deseja que os fiéis o possam compreender em suas várias dimensões (cf. Ef 3, 18s).

Vê-se assim que a oração cristão não é mero esforço da mente e das faculdades do homem para contemplar o Transcendental, mas é Dom de Deus. Ele se fundamenta e abastece na revelação que Deus faz de si ao homem … revelação que tem em Cristo seu ponto culminante. Eis por que a Igreja recomenda a luz assídua e o aprofundamento da Palavra de Deus. Guiado por este manancial, o cristão não esquecerá que a sua oração decorre sempre dentro da comunhão dos Santos e segundo o espírito da Igreja. O cristão nunca ora isoladamente, mesmo quando está na solidão, mas ora sempre em união com Cristo, no Espírito e em comunhão com todos os Santos, para o bem da Igreja.

Segue-se o título III. Maneiras errôneas de rezar (nºs. 8-12), que observa:

Os erros do passado continuam a tentar o homem contemporâneo. Este por vezes reduz a oração a um estado psíquico ou a uma conquista da mente, que se treina para ampliar as suas faculdades meramente naturais. Há também, em nossos dias, aqueles cristãos que se servem de métodos orientais a fim de se preparar para a contemplação: identificam o Absoluto, concebido pelo budismo, com a Majestade de Deus, que ultrapassa toda realidade finita: assim tendem a um conceito de Deus totalmente desligado das manifestações históricas ou das teofanias do Artigo e do Novo Testamento; negligenciam o mistério da SS. Trindade para “mergulhar no abismo indefinido da divindade” ou no nirvana, em que as noções de eu, tu e ele desaparecem. – Desta maneira tem origem pernicioso sincretismo, pois os seus arautos tendem a fundir o monoteísmo histórico da revelação judeo-cristão com o panteísmo da filosofia hinduísta.

O título IV. A Via Cristã para a união com Deus (nºs 13-15) afirma que a profunda união com Deus prometida ao cristão leva a um estado que os antigos mestres gregos chamavam “divinização” . Esta, porém, nunca extingue a diferença radical existente entre Criador e criatura; o eu humano jamais poderá ser absorvido pelo eu divino, nem mesmo nos estados místicos mais elevados. O “se outro” não é um mal, pois que ele ocorre entre as três Pessoas Divinas: o Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo é o Pai ou o Filho, embora haja uma só Divindade ou uma só natureza divina. Assim entre Deus e nós existe diferença, que não impossibilita uma íntima união. Também pela Eucaristia e os demais sacramentos Cristo nos faz participar da sua vida divina 1, sem extinguir a nossa natureza criada.

Quem considera estas verdades, descobre com profunda surpresa que, na concepção cristã, se cumprem todas as aspirações existentes nas outras correntes religiosas, sem que o eu pessoal e a sua índole de criatura sejam aniquilados e desapareçam no oceano do Absoluto. A profissão de que Deus é Amor (1Jo 4,8) explica a íntima união ou o intercâmbio e o diálogo entre Deus que ama, e a criatura que é amada. O cristão que recebe o Espírito Santo (o amor existente entre o Pai e o Filho) é feito “filho no Filho” e exclama “Abá, Pai”, participando realmente da vida da SS. Trindade; cf. Rm 8, 15-17; Gl 4,6).

O título V. Questões de Método (nºs 16-25) refere o seguinte:

A maioria das grandes religiões propõe métodos ou caminhos para que o homem chegue a Deus. A Igreja Católica nada rejeita do que haja de verdadeiro e santo nessas normas. Apenas ensina que esses elementos positivos devem ser enquadrados dentro das linhas doutrinárias da fé católica, que é monoteísta, e não panteísta.

2 De modo especial, a procura de um mestre espiritual (guru, dizem os hinduístas) é algo de comum a todas as correntes religiosas; o Catolicismo muito preza essa figura, desde que ela ensina ao discípulo o “sentir com a Igreja” e a descoberta dos dons do Espírito Santo no seio da S. Mãe Igreja …

Por conseguinte, o grande perigo que ameaça o orante concentrado em si segundo as normas do hinduísmo, é precisamente o de “permanecer em si”, como se o homem fosse uma centelha da Divindade encerrada na corporeidade. O grande mestre S. Agostinho diz a propósito: Se queres encontrar a Deus, abandona o mundo exterior, e entra entre ti. Mas não permaneças em ti; ultrapassa-te, pois tu não és Deus; Ele é maior do que tu; “Deus intimior intimo meo, et superior summo meo (Deus me é mais íntimo do que o que tenho de mais íntimo e está acima do que tenho de mais elevado”, Confissões 3,6,11). Deus está conosco e em nós, mas Ele nos transcende em seu mistério. Ademais ninguém se purifica das paixões nem se aproxima de Deus a não ser por dom do próprio Deus. Este dom se concretiza, por excelência, em Jesus Cristo, cujo Espírito Santo nos move interiormente para participar da vida trinitária …

Os mestres apresentam a vida unitiva ou a experiência de Deus decorrente da íntima união com Ele. É chamada experiência mística, pois está associada aos santos mistérios ou aos sacramentos como fruto destes no cristão fiel. Trata-se de um conhecimento de Deus derivado não da aplicação dos sentidos nem do raciocínio, mas da afinidade ou conaturalidade do cristão com o Senhor Deus. Quem muito ama a Deus, tem o olhar da mente aguçado para intuir a Deus de maneira mais clara e profunda.

O progresso na vida espiritual requer recolhimento e silêncio, sem dúvida; exige aplicação das faculdades (inteligência, vontade, memória, imaginação …), mas não se pode dizer que seja fruto de alguma técnica ou da arte humana de conquistar o mistério de Deus; é um dom de Deus, concedido gratuitamente, cujo beneficiário se sentirá sempre indigno.

A benignidade de Deus pode conceder graças especiais de oração e união a certos fiéis como, por exemplo, os fundadores de Ordens e Congregações Religiosas dentro da Igreja; São Francisco de Assis foi certamente um desses grandes favorecidos, que deixaram um testemunho eloqüente de vida mística.

É de notar, porém, que as graças de Deus são algo de muito pessoal; não há necessidade de que as gerações de fiéis subseqüentes as reproduzam e imitem estritamente. O Espírito Santo age em cada cristão como bem lhe apraz ou com suma liberdade.

O título VI. Métodos Psicofísicos e Corporais (nºs 26-28) assim pode ser sintetizado:

A experiência ensina que a posição e as atitudes do corpo têm influência no recolhimento e no funcionamento do espírito. Isto levou autores cristãos tanto do Ocidente como do Oriente a aconselhar determinadas posturas corporais que visam a facilitar a meditação: sentar-se ou prostrar-se no chão, ritmar a respiração, olhar um ponto fixo, acompanhar as pulsações do coração… Tais recursos podem ser válidos, mas sempre terão utilidade relativa; seria errôneo identificar a união com Deus com uma possível euforia resultante de exercícios físicos. A perfeição espiritual é, antes do mais, graça de Deus, que o homem pede e deve pedir, mas que ele jamais conseguirá produzir ou atingir por sua habilidade ou seu atletismo espiritual; o empenho fiel e generoso da criatura é indispensável, sim, mas apenas para criar um clima no qual o Espírito Santo possa agir livremente.1

Em particular, a oração de Jesus (”Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim”), repetida segundo o ritmo natural da respiração, pode ser um espécime de combinação profícua da mente e do corpo. Tal prática é muito cara aos orientais. É preciso lembrar, porém, que cada indivíduo tem sua personalidade própria: uns precisam mais, outros menos … do apoio do corpo, dos sentidos e dos símbolos … de modo que não se devem absolutizar esses subsídios corporais par a vida de oração.

Merece especial atenção a advertência contida no § 28 da Carta em pauta:

“Certos exercícios produzem automaticamente sensações de paz e de distensão, sentimentos gratificantes ou até fenômenos de luz e calor semelhantes ao bem-estar espiritual. Considerá-las como autênticas consolações do Espírito Santo seria uma forma totalmente errônea de conceder o progresso espiritual. Não devem ser identificadas com a experiência mística se a vida moral da pessoa interessada não está à altura devida; tal identificação viria a ser uma espécie de esquizofrenia mental, que poderia levar até a perturbações psíquicas e, por vezes, a aberrações morais”.

O texto chama a atenção para o risco de auto-ilusão ocorrente quando o orante dá excessivo valor a sentimentos, estados psicológicos, imagens mentais na sua vida de oração; pode chegar a confundir sintomas doentios ou psicopatológicos com experiência mística, revelações divinas, aparições …; desta maneira entra por um caminho tortuoso em que as doenças mentais são alimentadas por falsas concepções religiosas.

Entre as práticas corporais classicamente recomendadas pelos mestres espirituais, está o jejum. Este liberta o cristão de suas paixões, tornando-o mais disponível para Deus e para o serviço do próximo.

Sob o título VII. “Eu sou o Caminho” (nºs 29-31) está dito à guisa de fecho:

Na rica variedade de maneiras de rezar que a Igreja reconhece, cada cristão poderá e deverá descobrir o seu modo próprio de caminhar para Deus. É certo, porém, que todas as vias particulares convergem para esse grande caminho de acesso ao Pai que é Jesus Cristo. Daí a necessidade de que cada orante subordine suas preferências pessoais de oração ao Modelo e à Escola de Jesus Cristo, Escola da qual o Espírito Santo é o Mestre interior.

Eis as palavras finais, literalmente transcritas:

“O amor de Deus, único objeto da contemplação cristã, é uma realidade de que ninguém se pode apoderar por algum método ou técnica; ao contrário, devemos Ter sempre o olhar fixo sobre Jesus Cristo, através de quem o amor de Deus chegou até nós… Por conseguinte, havemos de deixar que Deus decida a maneira pela qual Ele nos fará participar do seu amor. Mas nunca poderemos procurar colocar-nos no mesmo nível do objeto contemplado ou do livre amor de Deus, nem mesmo quando nos é dado gratuitamente em Cristo em reflexo sensível desse amor divino e nos sentimentos como que atraídos pela verdade, a bondade e a beleza do Senhor.

Quanto mais é dado a uma criatura aproximar-se de Deus, tanto mais cresce nela a reverência frente ao Deus três vezes Santo. Compreendemos assim a palavra de S. Agostinho: “Tu podes chamar-me amigo, mas eu me reconheço servidor” (Enarr. In Psalmum 142,6).”

CONCLUSÃO

A fé cristão é estritamente monoteísta (existe um só Deus, que é distinto do homem e do mundo, pois é o Seu Criador). Todavia as novas correntes têm em comum a concepção de que orar é uma questão de métodos e técnicas.

Pois bem. Tal concepção é incompatível com a mensagem cristã. Esta diz que a oração é dom de Deus; ninguém ora unicamente por suas próprias forças ou habilidade. É claro, porém, que Deus requer a mobilização das faculdades do homem, o silêncio, o recolhimento, a leitura de livros sagrados…; mas todo este esforço humano é sustentado pela graça e a sua eficácia depende tão somente da benignidade de Deus, que nunca pode ser forçada pelas artes humanas. O cristão ora como filho na presença do Pai, e não como arteiro, que se pode gloriar de conseguir maravilhas.

A mística oriental seduz por suas belas fórmulas, por seu ritual e seu simbolismo; ela aviva no homem a consciência do Absoluto … A Psicologia moderna desvenda ao homem possibilidades de se condicionar, que o habilitam a efeitos inesperados. Mas nada disso se pode confundir com a mensagem cristão, que é de humildade e confiança filiais diante de Deus. Nenhuma prece é inútil ou perdida se feita por Cristo ou em nome de Jesus (cf. Jo 15,16; 16,23s), não, porém, para fazer Deus obedecer ao homem e, sim, para fazer que o homem colabore com Deus na realização do plano do Senhor sobre a história e a humanidade.

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