* Um dia depois do 1º turno, governo prorroga convênio com grupo que quer legalizar o aborto.
outubro 16th, 2010
Por Leandro Colon- Estado de São Paulo
A postura da candidata Dilma Rousseff (PT) em prometer aos eleitores não mudar a lei do aborto contradiz a atuação do próprio governo que representa.
O Ministério da Saúde publicou, em 4 de outubro, um dia depois do primeiro turno, a prorrogação de um convênio que estuda mudanças na sua legislação. O projeto, segundo o contrato publicado no Diário Oficial da União, chama-se “Estudo e Pesquisa – Despenalizar o Aborto no Brasil”.
Dilma divulgou ontem uma carta em que diz ser contra o aborto e promete não tomar “iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação” sobre o assunto. O objetivo dela é diminuir a resistência de grupos religiosos que pregam voto contra a petista, por ter defendido no passado a descriminalização do aborto.
Só que a promessa vai na contramão da atuação do Ministério da Saúde nos últimos anos e tem incomodado entidades que atuam em parceria com o governo. Esse recente convênio, prorrogado até fevereiro de 2011, foi fechado no ano passado com a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio, e faz parte do Grupo de Estudo sobre o Aborto, que reúne desde 2007 entidades civis dispostas a debater o assunto com o Executivo, o Judiciário e o Legislativo. O governo desembolsou, só para a Fiocruz, R$ 121 mil para incentivar a discussão.
Coordenador desse grupo de estudos em todo o País, o médico Thomaz Gollop lamenta a carta de Dilma e o rumo da discussão sobre o tema no segundo turno. “O enfoque está errado, inadequado, seja para qual for o candidato. O Brasil precisa se informar. Nas alturas dos acontecimentos, isso virou uma discussão de posicionamento radical”, diz. “Acho muito ruim que esse tema seja motivo de barganha. É completamente inadequado que o candidato diga o que vai ser feito.”
O projeto apoiado pelo governo trata, segundo extrato do Diário Oficial, de estudo para “despenalizar” o aborto, ou seja, não aplicar penas às mulheres que adotam essa prática, condenada por lei. Mas, segudo o coordenador, a idéia é ir mais longe e não fazer mais do aborto um crime.Reinaldo Azevedo
Não sei quem vai ganhar as eleições. Sei o que é rebaixamento da qualidade do debate. O PT se meteu numa grande enrascada porque é autoritário. Não aceita crítica. O partido sempre foi muito hábil em pespegar no adversário a pecha de reacionário, inimigo do povo ou sei lá o quê.
Ao perceber que várias confissões cristãs — católicos, evangélicos, protestantes tradicionais — demonstravam inconformismo na rede com as opiniões da candidata e do partido sobre aborto e outros temas ligados a costumes, como a união civil entre homossexuais, resolveu acionar o botão de emergência de sempre.
Mobilizou movimentos sociais, auto-intitulados intelectuais e alguns porta-vozes na imprensa e denunciou um grande complô contra Dilma Rousseff. Não ocorreu aos petistas que fatias da sociedade simplesmente exerciam o sagrado direito de opinar. Atribuíram ao fator religioso o risco de não vencer a disputa no primeiro turno, como se fosse esse o único passivo da candidata e do partido.Qual era a aposta? Forma-se um grande movimento cívico contra os “reacionários”, e está tudo resolvido. Mas, como já escrevi aqui, o tiro saiu pela culatra. Deu tudo errado. As entrevistas de Dilma defendendo a descriminação do aborto vieram a público. O tema ganhou corpo. Ela tem o direito de defender o que acha certo. O problema é que passou a enrolar. O mesmo se diga em relação à sua estranha maneira de acreditar nos, como posso chamar?, “deuses” (???) do cristianismo… Na prática, acha que cada um tem o seu. Também tem lá suas dúvidas se Ele existe ou não. Em vez do “movimento cívico e laico”, o que se viu no país foi uma certa onda de indignação com a tentativa de usar a religião como escada.Dilma se reuniu com líderes evangélicos ligados à sua candidatura.
A petista é hoje, na prática, uma candidata amordaçada, que teria dificuldades de dizer o que pensa sobre temas que, antes, eram tranqüilos no PT: o partido sempre foi favorável à descriminação do aborto e militante entusiasmado do chamado casamento gay. Já lamentei aqui a sua covardia. Que faça o debate com a sociedade, com os eleitores! Mas não! Tenta dizer uma coisa e seu contrário ao mesmo tempo.Um tanto curiosamente, quem se pronunciou sobre um dos temas espinhosos, em termos que parecem bastante aceitáveis, foi o tucano José Serra, que não tem por que correr. Ele disse não ver nada demais na união civil entre homossexuais e afirmou que casamento é outra coisa. E lembrou uma obviedade: a própria Justiça tem reconhecido a união de pessoas do mesmo sexo na concessão de direitos. Pronto! Ninguém tem de se meter no que duas pessoas adultas decidem fazer entre quatro paredes. Dilma parece impedida de dizer até isso.
Sua campanha comete o erro de ir para uma reunião que poderia resultar num documento que poria uma espécie de mácula numa parcela da população brasileira. Será que assiná-lo seria bom para o PT e para a campanha? Somou um desgaste ao outro: o de fazer a reunião e o de, agora, resistir a assinar o texto. O que isso denota? O vale-tudo eleitoral, que, à diferença do que acusam os petistas, está é sendo jogado pelo partido, não pelos adversários.
Em 2008, na disputa pela Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy resolveu meter os pés pelas mãos no debate de costumes e deu no que deu.Os que achávamos que Dilma Rousseff não teria uma eleição assim tão fácil éramos ridicularizados pelos “especialistas”, que agora vêem Serra ou em empate técnico ou rumo a ele. Reitero: não sei o que vai acontecer, mas sempre me pareceu claro que as restrições a Dilma não se limitavam ao terreno religioso. No que concerne ao aborto, aliás, não é preciso ser cristão, como demonstrou Olavo de Carvalho em texto notável, para rechaçá-lo: a questão tem a ver com uma escolha que é de natureza moral. Conheço agnósticos que o repudiam igualmente.
Estivesse o PT menos confiante, teria sido mais prudente; por prudente, não teria buscado de modo desesperado “a” razão para não ter conseguido eleger a sua candidata no primeiro turno — razão que considerava “culpa” da oposição. A arrogância conduziu ao erro. E ainda não parou de errar neste segundo turno. A eleição, que parecia um passeio, já lhes provoca arrepios.
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