* Vaticano esclarece tradução exata da palavra do Papa sobre uso do preservativo.
novembro 23rd, 2010 Fonte: G1
A doutrina católica não muda, o uso do preservativo está proibido”, Giovanni Maria Vian, editor do “L’Osservatore Romano”.
“O sumo pontífice se refere a um ato de caridade e não à mudança da doutrina”. Escritor católico Vittorio Messori.
O esclarecimento, o mais recente passo em direção ao que está sendo visto como uma mudança significativa na política da Igreja Católica no assunto, foi feito durante uma entrevista para divulgar o novo livro do papa: ‘Light of the World: The Pope, the Church and the Signs of the Times’ (Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos).
No livro, uma longa entrevista com o jornalista católico alemão Peter Seewald, o papa usou o exemplo de que um garoto de programa estaria justificado em usar uma camisinha para prevenir contra a transmissão da doença.
O esclarecimento foi necessário porque as versões em alemão, inglês e francês do livro usaram o artigo masculino ao se referir ao ‘garoto de programa’, mas a versão italiana usou o artigo feminino (’prostituta’).
O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, disse nesta terça que havia perguntado ao papa diretamente sobre isso para esclarecer seu pensamento.
‘Perguntei ao papa pessoalmente se havia uma distinção séria entre o uso do masculino ao invés do feminino e ele disse ‘não”, disse Lombardi.
‘Ou seja, a questão é que (o uso da camisinha) deveria ser o primeiro passo em direção à responsabilidade de se tornar ciente do risco à vida de outra pessoa com quem se está tendo uma relação’, disse Lombardi.
‘Se é um homem, uma mulher ou um transexual que faz isso, defendemos sempre o mesmo ponto, de que é o primeiro passo de responsabilidade para prevenir contra a transmissão de um grave risco ao outro.’
A Igreja vem dizendo há décadas que camisinhas não fazem parte da solução no combate à Aids, apesar de não existir nenhuma política formal sobre o assunto em qualquer documento do Vaticano.
No livro, o papa diz que o uso de camisinhas deveria ser visto como ‘o primeiro passo em direção à moralização’, mesmo que camisinhas ‘não sejam realmente a forma de lidar com o mal da infecção do HIV’.
O erro na tradução do livro para o italiano, cujos trechos foram divulgados pelo jornal da Santa Sé, “L’ Osservatore Romano”, se deveu a motivos de rapidez e será corrigido nas próximas edições, segundo fontes eclesiásticas.
As palavras do papa e a explicação de Lombardi -apesar de não mudarem a proibição de métodos contraceptivos pela Igreja Católica- foram bem recebidas como sendo um avanço pelos católicos liberais, ativistas contra a Aids e autoridades da saúde.
‘Pela primeira vez o uso de camisinhas em circunstâncias especiais foi apoiado pelo Vaticano e isso é uma boa notícia e um bom começo para nós’, disse Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde.
Homossexualidade
No livro, o Papa também afirma que a homossexualidade é injusta, opõe-se à vontade de Deus e é inconciliável com a vocação sacerdotal.
“Enquanto seres humanos (os homossexuais) merecem respeito (…) não devem ser rejeitados por causa disso. O respeito ao ser humano é fundamental e decisivo”, afirma ele.
“Mas isto não significa que a homossexualidade seja justa. Ela permanece como qualquer coisa que se opõe à essência mesma do que Deus quis na origem”, precisa ele.
Bento XVI exprime-se de forma mais específica no livro, considerando que a “homossexualidade não é conciliável com a vocação sacerdotal”. Senão, “correríamos um grande risco de fazer do celibato uma espécie de pretexto para fazer entrar no sacerdócio pessoas que não podem se casar”, acrescentou.
“A seleção de candidatos ao sacerdócio deve, então, permanecer muito atenta. É preciso o maior cuidado para evitar uma confusão deste tipo fazendo com que o celibato dos padres seja, por assim dizer, assimilado à tendência à homossexualidade”, concluiu ele.
A uma pergunta sobre a existência de uma homossexualidade nos “mosteiros, entre os religiosos”, que talvez não seja vivenciada ou praticada”, o papa respondeu: “as pessoas em questão devem, pelo menos tentar ativamente não se dominar por esta tendência, a fim de permanecerem fiéis à missão inerente a seu ministério”.
As palavras suscitaram a condenação da principal associação italiana de defesa dos direitos dos homossexuais, Arcigay: “os dizeres do papa humilham milhões de vidas que devem suportar diariamente discriminações”, estima em comunicado.
* Você entendeu MESMO a colocação do Papa sobre o “uso do preservativo por prostitutos”?
Artigo do Pe. Joseph Fessio, S.J., disponível em: http://blogs.reuters.com/faithworld/2010/11/23/guestview-did-the-pope-%E2%80%9Cjustify%E2%80%9D-condom-use-in-some-circumstances/
O referido Padre é fundador e editor da Ignatius Press, editora americana do livro “Luz do Mundo”.
* * *
O Papa “justifica” o uso de preservativos em algumas circustâncias? A resposta é “não”. E também não há, absolutamente, nenhuma mudança na doutrina da Igreja.
Então porque todas as manchetes dizendo que ele “aprova”, ou “permite”, ou “justifica” o uso de camisinhas em certos casos?
Essa é uma boa questão. Tão boa que o próprio entrevistador perguntou praticamente a mesma coisa durante a entrevista.
O Papa fez uma afirmação na entrevista, e tal afirmação agora vem sendo largamente citada na imprensa mundial. Imediatamente, o entrevistador, Peter Seewald, colocou essa questão: “Você está dizendo, então, que a Igreja Católica em princípio não está, de fato, se opondo ao uso de camisinhas?
O Papa esclareceu e expandiu seu raciocínio da afirmação anterior.
Então vejamos as duas declarações.
Depois de dizer que: “não podemos resolver o problema [da Aids] com a distribuição de preservativos…” e que: “a fixação exclusiva no preservativo implica uma banalização da sexualidade…” o Papa diz: “Pode haver um fundamento (*) no caso de alguns indivíduos, como talvez quando um “prostituto” [homem] usa um preservativo, onde isso pode ser um primeiro passo na direção de uma moralização, uma primeira assunção [assumir] de responsabilidade, no caminho da recuperação de uma consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer o que se quer. Mas não é realmente [de fato] o caminho para lidar com o mal da infecção por HIV. O caminho só pode realmente [de fato] residir tão somente na humanização da sexualidade“
____
(* Nota: Na tradução que vem sendo divulgada, lê-se nesse trecho: “Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto,…”)
____
Essa é uma declaração altamente qualificada, e muito condicional. Não obstante, ela causou a pergunta de Seewald, acima mencionada. Mas vamos primeiramente olhar com mais atenção para essa declaração. O termo original em alemão para: “Pode haver um fundamento no caso de alguns indivíduos…” é: “Es mag begründete Einzelfälle geben…” A tradução para o inglês, aqui, é fiel e acurada. “Begründete” vem de “Grund” = “ground” (terra, solo, base, terreno), e significa tanto o solo onde nos pomos de pé, quanto um fundamento lógico. Há alguma ambiguidade porque esse termo poderia ter um sentido fraco de “alguma base para”, ou um sentido forte de “um fundamento lógico e ético para”. É por isso, talvez, que Seewald fez a pergunta seguite, então nos voltaremos para ela daqui a um momento.
É importante notar que há dois erros sérios de tradução na versão italiana das opiniões do Papa, versão a partir da qual muitas reportagens prévias foram baseadas, já que o embargo foi quebrado pelo jornal vaticano L’Osservatores Romano (Essa é outra questão). Em primeiro lugar, o termo alemão “ein Prostituierter“, que só pode ser um “prostituto” homem. A palavra normal do alemão para prostituta é “[eine] Prostituierte“, que é feminina, e se refere somente a uma mulher. A tradução italiana “uma prostituta” simplesmente inverteu o que o Papa disse.
Igualmente problemático, “giustificati” = justificado, foi usado na tradução italiana de “begründete”, arbitrariamente resolvendo a ambiguidade unilateralmente.
O Papa responde: “Ela [a Igreja] não a considera [a camisinha] como uma solução real ou moral, mas, nesse ou naquele caso, pode haver, não obstante, na intenção de reduzir o risco de infecção, um primeiro passo em um movimento direcionado a um caminho diferente, um caminho mais humano de viver a sexualidade“.
Em primeiro lugar, uma solução que não é “moral” não pode ser “justificada”. Isso é uma contradição, e significaria que algo em si mesmo [intrinsecamente] mau poderia ser “justificado” para se atingir uma finalidade boa. Note: o conceito de “mau menor” é inaplicável aqui. Pode-se tolerar um mau menor; não se pode fazer algo que seja um mal menor.
Mas a distinção crucial aqui é entre a “intenção” do “prostituto” [homem] (qual seja: evitar infectar seu cliente), e o ato em si (qual seja: usar uma camisinha). Já que na quase totalidade das reportagens que eu li essa distinção não foi apresentada, ela pede uma alguma elaboração.
Essa distinção, na filosofia moral, ocorre entre o objeto de um ato e a intenção de um ato. Se um homem rouba a fim de fornicar, a intenção é fornicar, mas o objeto é o ato de roubar. Não há uma conexão obrigatória entre roubar e fornicar.
No caso das opiniões do Papa, a intenção é prevenir a infecção, e o objeto é o uso da camisinha.
Aqui está um exemplo dessa distinção, análogo ao que o Papa disse. Ladrões estão usando canos de ferro para atacar pessoas, e os ferimentos são graves. Alguns ladrões usam canos acolchoados para reduzir os ferimentos, enquanto ao mesmo tempo ainda conseguem debilitar as vítimas o suficiente para o assalto.
O Papa diz que a intenção de reduzir os ferimentos (no ato de roubar) pode ser um primeiro passo na direção de uma maior responsabilidade moral. Isso não justifica as seguintes manchetes: “Papa aprova canos acolchoados para o assalto”; “Papa diz que o uso de canos acolchoados é justificado em algumas circunstâncias”; “Papa permite o uso de canos acolchoados em alguns casos”.
É claro, poder-se-ia usar moralmente canos acolchoados em algumas circunstâncias, por exemplo como canos revestidos para que a água quente que corre neles não esfrie tão rápido. E poder-se-ia usar camisinhas moralmente em alguns casos, por exemplo, como balões de água. Mas isso também não justifica a manchete “Papa aprova o uso de camisinha”, embora no caso dos balões d’água isso pudesse ser verdade. Mas seria uma tentativa intencional de enganar.
Em resumo, o Papa não “justificou” o uso de camisinhas em nenhuma circunstância. E a doutrina da Igreja permanece a mesma que sempre foi – tanto antes quanto depois das declarações do Papa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário