quarta-feira, 11 de abril de 2012

Júlia, a anencéfala que deixou saudades
(seus pais resistiram à pressão para praticarem um aborto)

Com a proximidade da sessão em que o Supremo Tribunal Federal votará a ADPF 54 (aborto de anencéfalos), convém assistir ao comovente depoimento dos pais de Júlia, uma criança anencéfala nascida em Anápolis (GO) em 04/03/2010 às 7h30min. Batizei-a logo após o parto. A mãe foi trazida em uma maca para se despedir de sua filha, conforme desejava. A criança morreu cerca de uma hora após o nascimento. Sabiamente, os pais de Júlia tomaram a decisão de amá-la até o último momento, rejeitando a “solução” do aborto que lhes fora proposta. Na transcrição a seguir, procurou-se conservar a linguagem falada, entrecortada por emoções.


Carla, mãe de Júlia:

Descobri no quinto mês de gravidez o problema da Júlia. Quando eu descobri o problema dela, a médica me explicou que poderia ser feito um aborto. Perguntei à médica se poderia continuar com a gravidez. Ela disse que poderia, mas que não tinha necessidade, que eu iria sofrer muito se prosseguisse com a gravidez. E se eu fizesse um aborto, […] iria evitar mais sofrimento para mim. Eu já estava decidida a continuar com a gravidez. Procurei o Pró-Vida de Anápolis para me orientar de alguma coisa. Foi no Pró-Vida que eu descobri o problema de minha filha, que eu entendi o problema dela. Eu sabia que ela não tinha formado o crânio. Até então era só isso. E que não tinha chance nenhuma de vida. Foi através do Pró-Vida que eu vi o relato de outras mães, que eu vi fotos de bebês anencéfalos, e entendi o problema da minha filha. E eu tive uma orientação e uma força muito grande para poder continuar coma minha gravidez. Eu tive um apoio muito grande.

Eu tinha um bebê de quatro meses [de nascido] quando descobri que estava grávida. E no início foi um susto muito grande. Eu estava tão feliz com a gravidez anterior que eu desejava muito essa criança. E ao mesmo tempo eu tinha que me preparar para o desfecho que teria esta outra filha que eu estava esperando. Tentei aproveitar ao máximo a minha gravidez. Pedi muito a Deus que eu queria vê-la antes de ela morrer. Era o meu maior desejo. Poder dar o Batismo para ela, ficar com ela pelo menos um momento que fosse...

Consegui levar minha gravidez até o final. Minha filha morreu uma hora depois do parto. Conheci minha filha. Vi ela viva ainda. É um sentimento que não tenho como explicar. Hoje eu penso nela... Eu queria ter mais tempo ainda com ela. Cada minutinho que eu passei com ela compensou todo o sofrimento que eu tive. Quando eu vi o rosto dela, foi a melhor sensação que eu já tinha sentido na minha vida.

Tenho outros dois filhos. Não tem como explicar. Quando eu olho as fotos da minha filha, quando eu me lembro dela, do meu parto… Como que as pessoas querem tirar... abortar uma criança que... tem tudo? Ela só não ia viver. Eu só não ia ver a minha filha. Mas durante a minha gravidez ela mexia muito, como a minha outra filha, às vezes até mais... [...] Ela morreu uma hora depois do parto. Eu fui para a Santa Casa ganhar neném. Olhar as fotos dela, lembrar dela… Nunca, nunca na minha vida, é uma coisa que não tem como nem pensar a questão de aborto. Não tem como pensar nisso. Como é que uma pessoa consegue?

Quando me cogitaram a ideia de fazer aborto — e foram várias vezes que minha médica tentou — eu não consigo imaginar palavras... Como eu poderia estar hoje se eu tivesse feito aborto da minha filha? É um sentimento, uma coisa que eu não consigo passar pela minha cabeça. Para mim não existe. É uma coisa que não existe.

Mas se tivesse [feito aborto], não me ajudaria em nada. Só iria piorar o sentimento que eu estava. O que ajudou muito foi o tempo que eu passei com minha filha... [...]

Mas tudo que eu pudesse imaginar se eu tivesse tirado... não iria me ajudar em nada e sim [teria] piorado muito mais a minha situação.

Como mãe, a maior satisfação que eu tenho foi o dia em que minha filha nasceu, que eu olhei para ela, que todo o amor que eu tinha por ela, quando eu olhei nela, aquilo me valeu a pena. Valeu e eu viveria tudo de novo se eu pudesse estar mais tempo com ela.

Eu não me arrependo, em momento nenhum de não ter feito aborto. [...] Mãe, ela está aqui para dar a vida e não para estipular uma hora e nem que esse filho tem que viver até aqui e pronto. Ela está dando a vida pelo filho... Se ele tem saúde, se ele vai viver ou não, independente do tempo que ele vai viver, ela vai dar a vida para ele; agora, tirar não.

Eu não me arrependo novamente de não ter feito o aborto. [...]. Eu acho que não tem como uma mãe estipular uma hora até que o filho tenha que viver. Uma mãe nunca vai se arrepender de carregar o filho, passar por uma gravidez, por qualquer dificuldade que seja. A dificuldade maior é saber que eu estipulei até uma hora de meu filho viver: “ele vai viver até aqui porque não vai ser bom para mim”.

Eu acho que a satisfação de uma gravidez, da hora de um parto, independente da hora que o filho vai viver, isso apaga qualquer sofrimento que uma mãe passa.


Kleber, pai de Júlia:

Graças a Deus, a gente conduziu até o final essa gravidez [...].

O aborto é um crime na verdade. As pessoas falam como se fosse uma coisa banal, e não é.

A gente conduziu até o final, graças a Deus, com a ajuda de Deus.

No dia que ela nasceu, a Carla ficou internada, eu acompanhei o enterro da minha filha. E depois que teve o desfecho do enterro, a sensação era de um dever cumprido, consciência limpa, graças a Deus. Acho que a principal lição foi essa: de consciência limpa perante a sociedade e perante Deus principalmente, de não ter feito alguma coisa de errado.


Carla (chorando):

Eu sinto saudade da minha filha... [...] Não tem nada que preencha o espaço dela. Eu tenho dois filhos, mas o lugar dela para mim está lá. Ela é minha terceira filha. Para mim não tem nada que preencha o lugar dela. É a minha filha. É alguém que... Hoje ela estaria com quatro meses. Então a gente lembra: “Hoje ela estaria com um mês, dois meses... E se ela estivesse aqui, como seria?...” A gente se lembra dela como alguém lá em casa. Ela tem um lugar dela para mim e nenhum dos meus filhos substitui ela. A gente pensa como ela estaria hoje... o tamanho com que ela estaria crescendo...

Primeira parte:

Segunda parte:

Anápolis, 13 de agosto de 2011.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis

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