sexta-feira, 23 de novembro de 2012

* Livro desmente de forma categórica acusações contra o Papa Pio XII em sua relação com os judeus perseguidos.

 
Por Beja Santos
Os Judeus do Papa, O plano secreto do Vaticano que salvou milhares de judeus no Holocausto”, por Gordon Thomas, Casa das Letras, 2012, é uma reportagem altamente documentada sobre acontecimentos históricos que têm vindo a ser deturpados, numa tentativa de caluniar ou denegrir os esforços de Pio XII para salvar os judeus da sanha nazista, entre 1939 e 1945.
Em 1958, falecido Pio XII, Golda Meir, a ministra dos Negócios Estrangeiros de Israel, fez o seguinte elogio do Papa na Assembleia Geral das Nações Unidas: “Quando chegou o martírio terrível do nosso povo, na década do terror nazi, o Papa Pio XII elevou a sua voz pelas vítimas. A vida dos tempos que vivemos foi enriquecida por uma voz que se erguia, com grandes verdades morais, acima do tumultuo do conflito diário. Choramos um grande servo da paz”.
Finda a II Segunda Mundial, sucederam-se os ataques a Pio XII: “que nunca fizera frente a Hitler, que trabalhara em segredo com Mussolini, que se mantivera em silêncio durante o Holocausto, que odiara os judeus, que não os avisara de que estava prestes a ocorrer o extermínio em massa, que não publicara qualquer condenação do Holocausto”, etc. Depois, seguiram-se livros de escândalo, como a peça O Vigário, de Rolf Hochhuth, que apresentava o retrato de um pontífice ganancioso que guardou silêncio sobre o Holocausto, tal como o livro “O Papa de Hitler”, de John Cornwell.
Todos estes ataques tinham algo em comum, a saber: que Pio XII dirigira uma igreja institucionalmente antissemita. Que prestara pouca atenção ao assassínio de 6 milhões de judeus, etc. Claro está que outros historiadores e autores quiseram apresentar provas a refutar totalmente essas acusações. Isto, enquanto já havia provas que refutavam totalmente estas acusações.
A título exemplificativo, Pinchas Lapide, um antigo diplomata israelita escreveu preto no branco num dos seus livros que durante o pontificado de Pio XII, “a Igreja contribuiu para salvar pelo menos 700 000, mas provavelmente 860 000 judeus de uma morte certa às mãos dos nazis”.
Michael Tagliacozzo, indiscutivelmente a maior autoridade sobre os judeus romanos durante o holocausto refuta as acusações: “Calúnias sobre Pio XII. Sem ele, muitos membros do nosso povo não estariam vivos”.
Chaim Weizmann, que viria a ser o primeiro presidente de Israel, escreveu em 1943: “A Santa Sé está a dar a sua poderosa ajuda, onde pode, para mitigar o destino dos meus correligionários perseguidos”.
Em 1944, o rabi principal de Jerusalém, Isaac Herzog, enviou uma mensagem ao Papa: “O povo de Israel nunca esquecerá o que Sua Santidade e os seus ilustres representantes, inspirados pelos princípios eternos da religião que são os pilares da verdadeira civilização, fizeram pelos nossos infelizes irmãos e irmãs no momento mais trágico da nossa história”.
Esta admirável reportagem descreve-nos a personalidade de Eugenio Pacelli, já em cardeal camerlengo, estava em perfeita sintonia com o Papa Pio XI, que era manifestamente hostil ao antissemitismo do fascismo italiano e do nazismo. A Santa Sé começou a acolher os judeus romanos que tinham sido metidos às ordens de Mussolini, foi enchendo uma série de serviços com investigadores de primeira água, os edifícios pontifícios eram ocupados pelas famílias dos judeus.
A reportagem verifica o relacionamento entre a comunidade judaica de Roma e Pio XII, revela os nomes dos dignatários da Cúria que foram encarregados de acolher esta comunidade e de lhe prestar todo o auxílio. O primeiro discurso de Pio XII recuperou uma passagem na encíclica que ele tinha escrito para Pio XI intitulada “Com profunda preocupação”: “Aquele que exalta a raça, ou o povo, ou o Estado, ou uma forma particular de Estado, ou os detentores do poder, ou qualquer outro valor fundamental da comunidade humana – por mais necessária e honrosa que seja a sua função nas coisas terrenas –, quem quer que eleve essas noções acima do seu valor normal e as divinize alçando-as a um nível idolatra, distorce e perverte uma ordem do mundo planeada e criada por Deus; está longe da verdadeira fé em Deus e do conceito de vida conforme com ela…”. Acompanhamos o dia-a-dia no Vaticano, as tomadas de posição do Papa, apoiando a Igreja alemã contra o totalitarismo de Hitler.
Acompanhamos igualmente os canais diplomáticos quer dos Aliados quer alemães sobre a política papal, a entrada da Itália ao lado de Hitler na II Guerra Mundial, obrigou todos os parceiros a terem que contar com a intervenção do Vaticano. Por exemplo, os diplomatas acreditados do Reino Unido, França, Bélgica e Países Baixos foram instalados em território do Vaticano, o mesmo é dizer que cercados por forças hostis. Nomeadamente a partir de 1943, quando o fascismo italiano estava em vias de colapsar, a política pontifícia foi a de acolher na medida das suas possibilidades os judeus que iriam ser transferidos para os campos de concentração, isto enquanto em todos os países, e por ordem do Papa, os diplomatas da Santa Sé emitiam passaportes ou pagavam viagens para os judeus fugirem.
A reportagem ganha enorme vivacidade nesses momentos críticos em que os alemães vão buscar os judeus ao gueto de Roma e os serviços do Vaticano se desdobram no seu acolhimento. E surgiram novos problemas: muitos prisioneiros de guerra aliados caminhavam para Roma ao mesmo tempo que os exércitos do marechal Kesselring recebem instruções inequívocas para usar de mão de ferro em Roma. Fica-se depois a saber que Hitler pretendeu raptar Pio XII, acreditava que este rapto permitiria convencer a Grã-Bretanha e os Estados Unidos de que estavam a travar a guerra errada e que deveriam juntar-se à Alemanha e derrotar a URSS. Encarregou o general Wolff, em Setembro de 1943, de elaborar um plano tanto para raptar o Papa como para saquear o Vaticano, há muito que os dirigentes nazis pretendiam ter acesso a alguns desses tesouros, uns, por motivos ideológicos, outros, para poderem pagar a continuação da guerra. O plano viria a ser rejeitado, os alemães temeram a reação popular, cedo a resistência italiana deu provas de ser contundente e sabotar objetivos alemães. Vemos como os alemães, de cabeça perdida, invadem território do Vaticano e como a Cúria reage; a rusga alemã ao gueto já tinha sido prevista por Pio XII que apoiou um plano de recolha dos fugitivos. Esse sábado negro é descrito como um dos momentos fulcrais da determinação do Papa.
E chega a alvorada da libertação, as lutas nas ruas de Roma, as explosões perpetradas pelos resistentes e a reação alemã através de execuções. O livro enumera o que aconteceu a todos estes protagonistas de um lado e do outro, de forma tocante. E a 20 de Novembro de 1945, Pio XII recebe em audiência 80 representantes libertados de vários campos de concentração alemães que lhe vieram agradecer a sua ajuda, este foi o primeiro de muitos tributos comoventes e eloquentes que Pio XII recebeu nos anos do pós-guerra. O Papa nunca se recompôs fisicamente dos esforços sofridos, irá manter-se com a sua saúde precária até 1958. Em 1952 encontra-se com Moshe Sharett, primeiro-ministro de Israel, que lhe disse: “O meu primeiro dever é agradecer-vos e, através de vós, à Igreja Católica, em nome de todo o povo judeu, tudo o que fizestes em vários países para salvar os judeus”. Nunca existiu, pois, o Papa de Hitler, mas sim aquele que mais perto esteve dos judeus e contribuiu para salvar centenas de milhares deles, dando o exemplo logo nos territórios

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