segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Uma súmula das principais crenças do Protestantismo.



O iniciador do movimento protestante é Martinho Lutero, que, a partir de 1517, pretendeu reformar o credo e as instituições cristãs, e por isto se afastou da Igreja, dando início ao Luteranismo.
Ao lado deste, enumeram-se o Calvinismo (que absorveu o Zwinglianismo ou a reforma de Zwingli em Zürich, Suíça), movimento afim ao de Lutero, empreendido por Calvino em Genebra, Suíça, e o Anglicanismo, reforma congênere oriunda na Inglaterra. Estas três denominações (Luteranismo, Calvinismo e Anglicanismo) representam o que se pode chamar «Igrejas protestantes tradicionais», todas iniciadas no séc. XVI (os Anglicanos nem sempre aceitam a designação de «protestantes», embora, por seus princípios doutrinários, se filiem ao Protestantismo).
Das três Igrejas protestantes derivaram-se centenas de sociedades menores, que não mais recebem o nome de Igrejas, mas o de seitas, visto serem movidas por espírito diverso do das Igrejas; são reformas da reforma, dissidências da dissidência: metodistas, batistas, congregacionais, quakers, etc.
Esses múltiplos grupos protestantes autônomos professam credos diferentes, chegando alguns a negar a própria Divindade de Cristo; o liberalismo doutrinário predomina entre eles. Contudo podem-se enunciar três grandes teses como características dos diversos tipos de Protestantismo:
1) a justificação pela fé sem as obras;
2) a Bíblia como única fonte de fé, interpretada segundo o «livre exame»;
3) a negação de intermediários entre Deus e o crente.
1. Três pontos capitais
a) A justificação pela fé sem as obras
Lutero considerava esta tese como central dentro da sua ideologia: «artigo do qual nada se poderá subtrair, ainda que o céu e a terra venham a desmoronar» (Artigos de Schmakalde, 1537).
Qual o significado de tal proposição e donde lhe vem a sua importância no Protestantismo?
A resposta não é difícil; deriva-se da situação psicológica em que o reformador se achou em certa fase de sua vida. Lutero fez-se frade agostiniano, mais movido pelo medo (tendo escapado à fulminação por um raio, prometeu entrar no convento) do que por autêntica vocação. No claustro, experimentou a concupiscência, à qual opôs penitência e ascese. Sentindo, porém, continuamente as más tendências em sua natureza, entrou em angustiosa crise: queria libertar-se da concupiscência, mas não o conseguia… Um belo dia julgou ter encontrado a solução: apelando para São Paulo (principal mente para a epístola aos Romanos), começou a ensinar que a concupiscência é realmente invencível; por conseguinte vão é procurar dominá-la mediante penitência e boas obras. Nem Deus requer isto do homem; basta aceitar Cristo como Salvador, isto é, crer com confiança que Deus Pai, em vista dos méritos de Jesus, não leva em conta os pecados do indivíduo; a fé confiante («fiducial»), independentemente de boas obras, faz que Deus nos recubra com o manto dos méritos de Cristo, declarando-nos justos.
Tal declaração é meramente legal ou extrínseca, não afeta o interior da natureza humana; esta, mesmo depois de «justificada», nada pode fazer para obter a salvação eterna, pois se acha como que aniquilada pelo pecado, reduzida à categoria de instrumento inerte nas mãos de Deus ou de serra nas mãos do carpinteiro (assim se formula a famosa tese do «servo arbítrio» de Lutero).
Neste quadro de idéias, vê-se que não se pode falar de cooperação do homem com a graça de Deus, nem de méritos. Lutero e Calvino reconheciam que a caridade nasce da fé, como a maçã provém da macieira, mas (acrescentavam) não são a caridade e suas obras que importam (ou ao menos… que importam em primeiro lugar); o crente pode estar certo da salvação eterna em qualquer fase da sua vida, desde que mantenha a sua fé confiante. Donde o famoso adágio de Lutero «Pecco fortiter, sed fortius credo. — Peco intensamente, mas ainda mais intensamente creio» (carta a Melancton, 1º de agosto de 1521); com estas palavras, o reformador não recomendava o pecado, mas queria dizer que a simples confiança no Salvador ainda tem mais peso no processo de salvação do que a culpa do homem.
Calvino, do qual muito se inspiraram os presbiterianos e batistas, acentuou ao extremo estas idéias, afirmando que Deus predestina infalivelmente para a salvação eterna, de sorte que, se o homem não perde a sua fé, pode ter certeza de que chegará à bem-aventurança celeste (donde se deriva para o crente suavíssimo reconforto).

b) A Bíblia, única fonte de fé, sujeita ao «livre exame»
A fim de dar fundamento à inovadora tese da justificação pela fé fiducial, os reformadores precisavam de fazer uma revisão nas fontes da Revelação cristã. Estas são a Escritura Sagrada e a Tradição oral apregoada pelo magistério da Igreja. Resolveram, pois, rejeitar a Tradição ou o magistério, para só dar crédito à Palavra escrita ou à Bíblia. Esta, para o protestante, tudo contém: é, por si mesma, clara em tudo que concerne a salvação eterna.
Calvino se exprime a respeito em termos muito fortes:
«Quanto à objeção que os católicos nos fazem, perguntando-nos de quem, donde e como temos a convicção de que a Escritura provém de Deus, é semelhante à questão de quem quisesse saber como aprendemos a distinguir a luz das trevas, o branco do negro, o doce do amargo. A Escritura, com efeito, tem seu modo de se manifestar, modo tão notório e seguro que se compara à maneira como as coisas brancas e negras manifestam sua cor e as coisas doces e amargas manifestam o seu sabor» (Institution chrétienne I 7 & 3).
Para ajudar a pessoa a ler e entender a Bíblia, o Espírito Santo dá seu testemunho interior, iluminando a mente e dirigindo o coração. Em consequência, cada crente tem o direito de «deduzir» da Bíblia as verdades que ele, em seu bom senso, julgue haverem sido a ele ensinadas pelo Espírito Santo.
Assim o Protestantismo atribui ao individuo uma prerrogativa que ele nega à Igreja visível e hierárquica: esta pode errar no seu ensinamento, corrompendo o depósito da fé (apesar das promessas de Cristo, seu Fundador); toca, por conseguinte, a cada cristão, guiado pelo Espírito Santo, encontrar de novo a Palavra de Deus perdida pela Igreja…
A reação do crente protestante contra o magistério eclesiástico é, aliás, típica expressão da mentalidade da Renascença: no séc. XVI o homem criou, sim, uma consciência nova dentro de si, tendente a pôr em cheque qualquer tipo de autoridade, para mais exaltar o individuo.
«O que rejeito absolutamente é a autoridade», escrevia Alexandre Vinet (1797-1847), chefe do movimento dito «da Igreja Livre» na Suíça ocidental calvinista. O Evangelho, para Lutero, devia ser não somente uma escola de obrigações, mas também uma via de libertações (entre as quais, a libertação frente à autoridade religiosa visível).

c) A negação de intermediários entre Deus e o crente
O Protestantismo dá valor decisivo à atitude do individuo diante de Deus; segundo a ideologia reformada, é a fé subjetiva nos méritos de Cristo que garante a salvação. Em consequência, pouca margem aí resta para se conceberem dons de Deus que permaneçam extrínsecos ao indivíduo e a este comuniquem os méritos do Salvador.
Em outros termos: não têm cabimento canais transmissores da graça, como sejam ritos e práticas a serem administrados por uma sociedade visível (a Igreja) e por uma hierarquia de ministros oficialmente instituída.
Para o protestante, entre o homem justificado pela fé e Deus, não há Sacerdote senão o Senhor Jesus invisível que está nos céus (a prolongação da Encarnação através da Igreja e dos sacramentos é depreciada); também não há outro Mestre senão o Espírito Santo, que fala nas Escrituras e no íntimo de cada alma, sem se servir de algum magistério viável e objetivo.
Note-se, em particular, a repercussão destas idéias nos conceitos de sacramentos e Igreja.
O número dos sacramentos foi notavelmente diminuído pelos doutores do Protestantismo. Dentre os sete tradicionais, Calvino chegou a admitir dois apenas: o Batismo e a Ceia. Quanto à função dos sacramentos, os reformadores nos diriam que estes não são portadores da graça, mas apenas sinais que, lembrando as promessas da benevolência divina, excitam a fé (ou confiança) nessas promessas; estimulada por tais sinais, é a fé que produz a santificação do crente. Os sacramentos portanto não exercem, como se diz em linguagem teológica, causalidade nem física nem moral no processo de santificação; a sua influência fica limitada ao setor psicológico (recordam a palavra de Deus…).
No Calvinismo, torna-se mesmo impossível que a graça esteja associada a algum sinal objetivo, pois ela só é dada aos predestinados; a quem não pertença ao número destes, não adianta recorrer a algum rito sensível. Lutero, um pouco menos inovador neste ponto, afirmava que o Batismo confere a santidade, mas só o faz mediante a fé: «Não o sacramento, mas a fé no sacramento é que justifica. — Non sacramentum, sed fides in sacramento iustificat», escrevia o reformador ao Cardeal Caetano.
O Zwinglianismo empalidecia ainda mais o papel dos sacramentos, reduzindo-os a meros testemunhos da fé capazes de unir os homens entre si: pelos sacramentos, ensinava Zwingli, o crente atesta e comprova à Igreja a sua fé, sem que da Igreja receba sequer o selo ou a comprovação da fé.
A prevalência do indivíduo sobre a coletividade se exprime com não menor clareza no conceito protestante de Igreja. Esta, conforme os reformadores, não é um corpo visível, mas sociedade invisível; só uma coisa impede que alguém a ela pertença: o pecado. Quem não se deixa contaminar por este, torna-se membro da Igreja, independentemente dos quadros externos nos quais os crentes professam a sua fé. Em geral, dizem os protestantes que a Igreja visível se corrompeu e extinguiu no séc. IV, sob o Imperador Constantino, dada a colaboração do Estado e da Igreja, pois então se introduziram nos mais íntimos redutos do Cristianismo doutrinas e costumes pagãos. Subsiste, porém, a Igreja invisível, a qual continua a vida da comunidade primitiva de Jerusalém. Ora seria essa Igreja invisível que vai tomando corpo nas denominações protestantes a partir do séc. XVI…
Se agora se pergunta como é governada a Igreja invisível, toca-se uma questão árdua para o Protestantismo: este, de um lado, rejeita o Papado e, de outro lado, afirma que todos os fiéis são sacerdotes. Em consequência, não restam critérios muito seguros para se constituir o governo da igreja… Donde a multiplicidade de soluções: há denominações protestantes dirigidas por seus «bispos» (tais são o episcopalismo anglicano, o metodismo…), bispos porém que são mais mentores dos crentes do que sacerdotes ou ministros dos meios de santificação;
Há as também dirigidas por presbíteros (o presbiterianismo, por exemplo), e há-as dirigidas por meros delegados da coletividade ou da congregação (congregacionalismo, que reproduz o sistema democrático no setor religioso).
Vários grupos protestantes não concebem mesmo dificuldade em admitir a autoridade mais ou menos absoluta dos governos civis no que diz respeito à vida temporal da Igreja (o que resulta em secularização da face visível do Cristianismo).
Expostas sumariamente as três características da ideologia protestante, incumbe-nos agora analisar o seu significado.
2. Uma estimação da doutrina
a) A justificarão pela fé sem as obras
1. Não há dúvida, a Escritura ensina que a remissão dos pecados é gratuitamente outorgada aos homens pelos méritos de Jesus Cristo (cf. Rom 5,8s); o homem não pode merecer o perdão, mas tem que o aceitar contritamente, crendo no amor de Deus e entregando-se humilde a esse amor. Contudo a Escritura ensina outrossim que o perdão outorgado por Deus não é mera fórmula jurídica em virtude da qual não nos seria mais levado em conta o pecado, pecado que, apesar de tudo, ficaria inamovível a contaminar a alma. Não; justificação, segundo as Escrituras, é regeneração (cf. Jo 3,3.5;Tit 3,5), elevação à dignidade de filhos de Deus não nominais apenas, mas reais (cf. 1Jo 3,1), de modo a nos tornarmos consortes da natureza divina (cf. 2 Pdr 1,4), capazes de produzir atos que imitem a santidade do Pai Celeste (cf. Mt 5,48).
Se, por conseguinte, Deus, ao nos perdoar as faltas, nos concede uma nova natureza, está claro, conforme as Escrituras mesmas, que as obras boas que estejam ao alcance desta nova natureza, devem pertencer ao programa de santificação do cristão; elas se tornam condição indispensável para que alguém consiga a vida eterna. Deus não pode deixar de exigir tais obras depois de nos haver concedido o princípio capaz de as produzir.
É óbvio que essas obras boas não constituem o pagamento dado pelo homem em troca da graça de Deus, nem são algo que a criatura efetue independentemente dos méritos de Cristo Salvador, mas são os frutos necessários da ação de Deus (ou da graça) no homem regenerado, são concretizações dos méritos do Salvador; na verdade, é Cristo quem vive no cristão e neste exerce seu influxo vital, como a cabeça nos seus membros e como o tronco da videira nos seus ramos (cf. Gál 2,20Jo 15,1s).
São Paulo, na epístola dos Romanos, tanto inculca a justificação pela fé sem as obras, porque tem em vista a primeira conversão ou a conversão do pecador a Deus (claro está que esta não pode ser o resultado de obras meritórias prévias). São Tiago, porém, que visa propriamente o desabrochar da vida cristã após a conversão, inculca fortemente a necessidade das boas obras (por isto a epistola de Tiago muito desagradava a Lutero, que quis negar a sua autenticidade).
Quanto à concupiscência que permanece no cristão por toda a vida, ela não constitui pecado enquanto o indivíduo não lhe dá consentimento; por muito intensa que seja, a graça do Redentor é certamente capaz de triunfar sobre ela. O fato de que a Escritura a chama «pecado» (cf. Rom 7,20), explica-se por estar a concupiscência intimamente ligada ao pecado como consequência deste.
De resto, na vida cotidiana os protestantes valorizam altamente as boas obras; falam então linguagem muito semelhante à dos católicos.
b) A Bíblia e o livre exame
Já em «P. R.» 7/1958, qu. 2 e 3 foi publicada longa explanação sobre a Tradição oral como fonte de fé e necessário critério de interpretação da Bíblia Sagrada. O valor da Tradição se explica pelo fato de que a Revelação oral antecedeu a redação das Escrituras e nem foi, por inteiro, consignada nos livros sagrados (os hagiógrafos nunca tiveram a intenção de confeccionar um manual completo dos ensinamentos revelados); donde se vê quão alheio é ao espírito mesmo da Bíblia interpretá-la independentemente da corrente de doutrinas dentro da qual a Escritura se originou, se conservou e sempre se transmitiu.
Ao que foi dito ainda se pode acrescentar a menção de algumas consequências do princípio do livre exame (é pelos frutos que se conhece a árvore!).
Os próprios reformadores e seus discípulos, desejando exaltar a autoridade das Escrituras, tornaram-se deturpadores da Palavra de Deus. Foi, sim, em nome do Antigo Testamento que Lutero permitiu a bigamia a Filipe de Hessen. É em nome das Escrituras que os fundadores de seitas vão ensinando teses fantasistas e contraditórias sobre a data do fim do mundo (tenham-se em vista os Adventistas, os Testemunhas de Jeová, os Amigos do homem, de que trata «P. R.» 14/1959, qu. 10). Em nome do livre exame da Bíblia os críticos protestantes têm rejeitado inteiras seções ou até livros escriturísticos; chegam a negar a Divindade de Cristo (o primeiro autor que negou a plena veracidade dos Evangelhos, foi o protestante H. S. Reimarus +1768).
De resto, verifica-se que as comunidades de crentes tendo abandonado a venerável Tradição transmitida desde os inícios do Cristianismo, ainda, e apesar de tudo, seguem uma tradição, … tradição evidentemente humana, a que deu início tal ou tal fundador de seita. Criou-se em cada denominação de «reformados» uma tradição particular ou uma via própria de interpretação da Bíblia.
É a rejeição de todo magistério munido da autoridade do próprio Deus que gera instabilidade nas comunidades protestantes, ocasionando a criação de novas e novas seitas.
A razão destas múltiplas reformas não será o fato de que nenhuma delas é realmente guiada pelo Espírito Santo, mas todas são obra meramente humana? Aliás o próprio Lutero já verificava em seus tempos: «Há tantos credos quantas cabeças há».
Alexandre Vinet, já citado, afirmava por sua vez no século passado:
«Para mim, o Protestantismo é apenas um ponto de partida; a religião fica muito além dele… A reforma será uma exigência permanente dentro da Igreja; ainda hoje a reforma está por se fazer».
A experiência de 500 anos mostrou que se volta contra os próprios irmãos separados o principio com que estes quiseram outrora impugnar os católicos: «Mais vale obedecer a Deus do que aos homens» (At 5,29).
c) A negação de intermediários entre Deus e o crente
Esta posição acarreta, como dizíamos, a negação de várias instituições que se tornaram clássicas no Cristianismo: os sacramentos concebidos como canais da graça, a intercessão dos santos, o sacerdócio oficial e hierárquico, a visibilidade da Igreja, etc.
Alguns destes temas já foram diretamente abordados em «P.R.»: assim o significado dos santos na piedade cristã, em «P. R.» 13/1959, qu. 5; a autoridade da canonização dos santos, em «P.R.»13/1959, qu. 5; a necessidade do culto externo, em «P.R.» 15/1959, qu. 3; a instituição de um chefe visível e de um magistério infalível dentro da Igreja, em «P.R.» 13/1959, qu. 2 e 14/1959, qu. 3.
Seguem-se três observações aptas a mais evidenciar o erro radical contido no princípio protestante:
i) a rejeição dos sacramentos e do sacerdócio hierárquico contradiz à lei geral que Deus sempre quis observar nas suas relações com o homem: assim como na plenitude dos tempos o Senhor atingiu a criatura mediante o mistério da Encarnação, assim antes e depois desta Ele veio e vem sob sinais sensíveis; principalmente no Novo Testamento a dispensação das graças conserva a estrutura da Encarnação: os sacramentos e sacramentais são matéria consagrada que prolonga e desdobra a estrutura do Verbo Encarnado. Como o corpo de Jesus recebeu outrora a vida divina e a comunicou aos homens seus contemporâneos, assim os elementos corpóreos (água, pão, vinho, óleo, palavras e gestos do homem…) vêm a ser, nos sacramentos, os canais que contêm e transmitem a graça de Deus; não os poderíamos reduzir à categoria de meros estimulantes da memória, vazios de conteúdo sobrenatural, sem quebrar a harmonia do plano da salvação.
ii) Nos desígnios de Deus, a santificação do homem sempre foi concebida comunitàriamente, em oposição a qualquer individualismo. O Criador houve por bem, no inicio da história, incluir todos os homens no primeiro Adão; quis outrossim restaurar todos conjuntamente em Cristo; consequentemente santifica-nos hoje por meio de uma coletividade, que é a Igreja, caracterizada por sinais objetivos e por um ministério visível, fora do qual ninguém pode pretender encontrar o Cristo. — Exaltando o indivíduo a ponto de relegar para plano secundário a comunidade, o Protestantismo vem a ser autêntico produto da mentalidade subjetivista e antropocêntrica do Renascimento.
iii) A Reforma pretende corresponder à Igreja primitiva, anterior à corrupção que «paganizou» o Evangelho… Esta pretensão é tão vã que os mestres protestantes se têm visto obrigados a fazer recuar constantemente o período da «grande corrupção»: ao passo que os primeiros reformadores a colocavam no séc. IV, outros foram retrocedendo até os tempos de S. Cipriano (+258), S. Ireneu (+ cerca de 202), Clemente Romano (+102?) ou até a geração apostólica.
O famoso crítico Harnack (+1930) chegava a dizer que já os Apóstolos perverteram o Evangelho de Cristo — o que é evidentemente absurdo, pois não conhecemos o Evangelho de Cristo senão através da pregação e dos escritos dos Apóstolos; Harnack, porém, era obrigado a proferir tal contrassenso, porque reconhecia claramente que a Igreja Católica atual corresponde fielmente à Igreja primitiva ou, como dizia ele, que «Cristianismo, Catolicismo e Romanismo constituem uma identidade histórica perfeita» (Theologische Literaturzeitung, 16 jan. 1909).
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

* Porque cremos que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo?

agosto 1st, 2012
A Fundação da Igreja
E eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do reino dos Céus: e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus.” (Mt. 16, 18)
Como isso é claro e positivo! Jesus Cristo muda o nome de Simão, em pedra (aramaico: Kephas, significa pedra e pedro, numa única palavra, como em francês Pierre é o nome de uma pessoa e o nome do minério pedra).
Deus fez diversas vezes tais mudanças, para que o nome exprimisse o papel especial que deve representar a pessoa. Assim mudou o nome de Abrão em Abraão (Gn 17, 5), para exprimir que devia ser o pai de muitos povos.
Mudou ainda o nome de Jacob em Israel (Gn 32, 28) para significar a “força contra Deus“. Assim Jesus Cristo mudou o nome de Simão em Pedro, sobre a qual estará fundada a Igreja, sendo o seu construtor o próprio Cristo.
Em todo o trecho em que Nosso Senhor confirma S. Pedro como primeiro Papa, fica evidente que Ele se dirige, exclusivamente, a S. Pedro, sem um mínimo desvio: “Eu te digo… Tu és Pedro… Sobre esta pedra edificarei… Eu te darei… O que desatares…
S. Pedro é a pessoa a quem tudo é dirigido … é ele o centro de todo este texto.
Esse ponto é muito importante, pois a interpretação truncada dos protestantes quer admitir o absurdo de que Nosso Senhor não sabia se exprimir corretamente. Eles dizem que Cristo queria dizer: “Simão, tu és pedra, mas não edificarei sobre ti a minha Igreja, por que não és pedra, senão sobre mim.” Ora, é uma contradição, pois Nosso Senhor alterou o nome de Simão para “Kephas”, deixando claro quem seria a “pedra” visível de Sua Igreja.
A primazia de S. Pedro comprovada nas Sagradas Escrituras e na Tradição
Eu te darei as chaves do Reino dos Céus” [a S. Pedro] – (Mt. 16, 17-19) – Primazia de jurisdição sobre todos, pois é a ele que a sentença é dita.
O primado de S. Pedro sobre os outros fica claramente expresso quando ele: 1) preside e dirige a escolha de Matias para o lugar de Judas (At 1,1-25); 2) É o primeiro a anunciar o evangelho no dia de Pentecostes (At 2, 14); 3) Testemunha, diante do Sinédrio, a mensagem de Cristo (At 10, 1); 4) Acolhe na Igreja o primeiro Pagão (At 10,1); 5) Fala primeiro no Concílio dos Apóstolos, em Jerusalém, e decide sobre a questão da circuncisão: “Então toda a assembléia silenciou“(At 15, 7-12), etc.
Todos os sucessores dos apóstolos atestam o primado de Pedro e dos seus sucessores, como, por exemplo: 1) Tertuliano: “A Igreja foi construída sobre Pedro“; 2) S. Cipriano: “Sobre um só foi construída a Igreja: Pedro“; Santo Ambrósio: “Onde há Pedro, aí há a Igreja de Jesus Cristo“.
S. Mateus enumerando os apóstolos, confirma o primado de S. Pedro: “O primeiro, Simão, que se chama Pedro“(Mt 10, 2).
No século I, o Bispo de Roma, Clemente, escrevendo aos Coríntios, para chamar à ordem os que injustamente tinham demitido os presbíteros, declara-lhes que serão réus de falta grave se não lhe obedecerem. O procedimento de Clemente de Roma tem maior importância, se considerarmos que nessa época ainda vivia o apóstolo S. João que não deixaria de intervir se o Bispo de Roma estivesse no mesmo plano dos outros bispos.
No princípio do sec. II, Santo Inácio escreve aos romanos que a Igreja de Roma preside a todas as demais.
S. Irineu diz ser a Igreja Romana a “máxima” e fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo (Heres. 3. 3. 2). Traz mais a lista dos dirigentes da Igreja Romana desde S. Pedro ate o Papa reinante no tempo dele, que era S. Eleuterio. Ao todo eram só doze. Eis a lista de modo ascensional: Eleuterio; Sotero; Aniceto; Pio; Higino; Telesfor; Xisto; Alexandre; Evaristo; Clemente; Anacleto; Lino; Pedro. (veja que S. Irineu deve ter vivido no entre o ano 100 e 200 DC). S. Jerônimo escrevendo a S. Dâmaso, Papa, diz: “Eu me estreito a Vossa Santidade que equivale a Cátedra de Pedro. E esta a pedra sobre a qual Jesus Cristo fundou a sua Igreja. Seguro em vossa cátedra eu sigo a Jesus Cristo“. Fala nisto direta ou indiretamente diversos santos e cristãos dos primeiros séculos, formando a mais universal das tradições, a mais firme convicção histórica. Só para citar alguns: S. Epifanio, Osório Pedro de Alexandria, Dionísio de Corinto, S. João Crisóstomo, Papias, etc.
Nosso Senhor: “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu com instância para vos joeirar como trigo; mas eu roguei por ti, para que não desfaleça a tua fé; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Luc. 22, 31-32). Ou seja, é S. Pedro que tem a missão, dada pelo próprio messias, de ‘confirmar‘ seus irmãos. Essa missão supõe, evidentemente, o primado de jurisdição.
S. Pedro é nomeado pastor das ovelhas de Cristo. Após a Ressurreição, Nosso Senhor confia a Pedro a guarda de seu rebanho, isto é, confia-lhe o cuidado de toda a cristandade, dos cordeiros e das ovelhas: “Apascenta os meus cordeiros“, repete-lhe duas vezes; e à terceira: “apascenta as minhas ovelhas” (Jo. 21, 15-17). Ora, conforme o uso corrente das línguas orientais, a palavra apascentar significa “governar“. Apascentar os cordeiros e as ovelhas é, portanto, governar com autoridade soberana a Igreja de Cristo; é ser o chefe supremo; é ter o primado. Além do que a imagem de “pastor” designa, na Sagrada Escritura, o Messias e sua obra (cf. Mq 2,13; 4,6s; Sf 3,18s, Jr 23,3; 31,19; Is 30,11; 49,9s). Ora, confiando a S. Pedro a missão de pastor, Nosso Senhor o constituiu seu representante visível na Terra.
No catálogo dos apóstolos (Mt 10, 2-4; Mc 3, 16-19; Lc 6, 13-16; At 1, 13), S. Pedro sempre é colocado em primeiro lugar. Em Mt. 10, 2 lê-se explicitamente que Pedro é o primeiro (“Prótos“). Ora, “prótos” tanto quer dizer o primeiro numericamente como o primeiro em dignidade e honra (v. Mt 20, 27; Mc 12, 28,31; At 13, 50; 28,17).
Em Mt. 17, 24-27, curiosamente, Nosso Senhor mandou pagar o tributo ao templo em nome Dele e de S. Pedro, demonstrando a importância daquele que seria o seu representante visível. Ele não manda que se pague em nome dos outros apóstolos, apenas de S. Pedro.
S. Pedro esteve em Roma, foi o primeiro Bispo de Roma e foi martirizado em Roma
A estadia de S. Pedro em Roma é incontestável historicamente. Sobre ela atestam Orígenes (ano 254), Clemente de Alexandria (215), Tertuliano (222), S. Irineu (202), Dionísio (171). Do século primeiro, convém destacar S. Inácio (107) e Clemente Romano (101). Esses historiadores e testemunhas são reconhecidos, pela crítica moderna, como autoridades dignas de fé.
Existe uma série ininterrupta de testemunhos do Século III até aos apóstolos e isso sem uma voz discorde.
Em Cartago e em Corinto, em Alexandria e Roma, na Gália como na África, no Oriente como no Ocidente, a viagem de S. Pedro a Roma é afirmada unanimemente, como fato sobre o qual não pairou nunca a mínima dúvida.
Orígenes (+ 254) diz: “S. Pedro, ao ser martirizado em Roma, pediu e obteve fosse crucificado de cabeça para baixo” (Com. in Genes., t. 3).
Clemente de Alexandria ( + 215) diz: “Marcos escreveu o seu Evangelho a pedido dos Romanos que oviram a pregação de Pedro” (Hist. Ecl. VI, 14).
Tertuliano (+ c. 222), por sua vez, diz: “Nero foi o primeiro a banhar no sangue o berço da fé. Pedro então, segundo a promessa de Cristo, foi por outrem cingido quando o suspenderam na Cruz” (Scorp. c. 15).
No século II abundam igualmente provas.
Santo Irineu (+ 202) escreve na sua  grande obra “contra as heresias“: “Mateus, achando-se entre os hebreus, escreveu o Evangelho na língua deles, enquanto Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí fundavam a Igreja” (L. 3, c. 1, n. 1, v. 4).
Dionísio (+ 171) escreve ao papa Sotero: “S. Pedro e S. Paulo foram à Itália, onde doutrinaram e sofreram o martírio no mesmo tempo” (Evas. Hist. Eccl. II 25).
Do século I convém destacar:
Santo Inácio (+ 107), Bispo de Antioquia, que conviveu longos anos com os apóstolos. Condenado por Trajano, fez viagem para Roma, onde foi supliciado, tendo escrito antes uma carta aos Romanos onde diz: “Tudo isso eu não vos ordeno como Pedro e Paulo; eles eram apóstolos, e eu sou um condenado” (ad Rom., c IV).
Clemente Romano (+101), 3o sucessor de S. Pedro, conheceu-o pessoalmente em Roma. É, por isso, autoridade de valor excepcional. Eis o que escreve: “Ponhamos diante dos olhos os bons apóstolos Pedro e Paulo. Pedro que, pelo ódio iníquo, sofreu; e depois do martírio, foi-se para a mansão da glória. A estes santos varões, que ensinavam a santidade, associou-se grande multidão de eleitos, que, supliciados pelo ódio, foram entre nós de ótimo exemplo“.
Note que só estão citados autores do início do cristianismo, para que não fique dúvida acerca da idoneidade dos testemunhos, que poderiam ser objeto de dúvida dos protestantes… É bom revelar que nenhum protestante imparcial teve a ousadia de contestar esses historiadores.
É, portanto, um fato certo que S. Pedro esteve em Roma e foi ali martirizado sob o reinado de Nero. Nenhum historiador, até os protestantes, isto é, durante 1500 anos, o contesta; ao contrário: para todos eles é um fato notório e público.
Vamos agora provar que S. Pedro foi o primeiro Bispo de Roma:
Poderíamos citar muitas longas passagens de S. Irineu, Caio, S. Cipriano, S. Agostinho, S. Optato, S. Jerônimo, Sulpício Severo, que atestam “unânimes” o episcopado romano do príncipe dos apóstolos. Limitemo-nos a umas curtas citações:
Caio: falando de S. Vitor, Papa, diz: “Desde Pedro ele foi o décimo terceiro Bispo de Roma“(ad Euseb. 128)
S. Jerônimo: “Simão Pedro foi a Roma e aí ocupou a cátedra sacerdotal durante 25 anos” (De Viris Ill. 1, 1).
S. Agostinho: “S. Lino sucedeu a S. Pedro” (Epist. 53)
Sulpício Severo, falando do tempo de Nero, diz: “Neste tempo, Pedro exercia em Roma a função de Bispo” (His. Sacr., n. 28)
S. Ireneu: “Os apóstolos Pedro e Paulo fundaram a Igreja, e o primeiro remeteu o episcopado a Lino, a quem sucedeu Anacleto e depois Clemente“.
Convém notar ainda que todos os catálogos dos Bispos de Roma, organizados segundo os documentos primitivos, pelos antigos escritores, colocam invariavelmente o nome de Pedro à frente de todos.
A Sucessão Apostólica
Agora veremos como o Papa é sucessor direto de S. Pedro, primeiro Bispo de Roma:
Primeiramente, os protestantes deveriam provar que o Papa não é sucessor de S. Pedro, todavia, como eles não tem nenhum texto histórico ou religioso que prove, eles pedem uma prova dos católicos. Eles só negam, nada podem afirmar.
Vamos analisar as Sagradas Escrituras. Lá existe não só a investidura de S. Pedro como chefe visível da Igreja, mas a investidura perpétua dos apóstolos, para serem os “enviados” de Cristo (Mt. 28, 18 – 20): “É me dado todo o poder no céu e na terra; ide pois e ensinai a todos os povos e eis que estou convosco todos os dias até a consumação do mundo“.
Que quer dizer isso?
1 – Cristo tem todo poder, é a primeira parte
2 – Cristo transmite este poder, é a segunda parte (Lembremo-nos, no mesmo sentido, da frase: “tudo que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desligares na terra será desligado no céu”)
3 – A quem Ele transmite? Aos apóstolos.
4 – Até quando? Até a consumação do mundo
Ora, Cristo transmitiu este poder unicamente aos apóstolos presentes? Não pode ser, pois os apóstolos deviam morrer um dia, como todos os homens morrem. Ele diz: “estarei convosco até à consumação do mundo“.
Se Ele promete estar com os apóstolos até o fim do mundo, é claro que ele não está se dirigindo aos apóstolos como pessoas físicas, mas como um “corpo moral“, que deve perpetuar-se nos seus sucessores, e hão de durar atá o fim dos tempos.
Eis uma prova evidente que o bispo de Roma, que é o Papa, é o sucessor de S. Pedro e de sua “jurisdição”.
A sucessão também é observada nos primeiros cristãos, que nomeavam diáconos e bispos, transmitindo-lhes as obrigações de seus antecessores.
Jesus Cristo, fundando uma sociedade religiosa visível, que devia durar até ao fim do mundo, devia necessariamente nomear um chefe, com sucessão, para perpetuar a mesma autoridade: “Quem vos escuta, escuta a mim” (Mt 28, 18). Se assim não fosse, Nosso Senhor não teria podido dizer: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo“; devia ter dito que estaria apenas com S. Pedro até o fim de sua vida. Dessa forma, cumpre-se o que manda a Bíblia: “Um só senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef. 4, 5)
A lista dos primeiros Papas da Igreja
S. Pedro, 42 – 67
S. Lino, 67 – 78
S. Cleto, 78 – 91
S. Clemente, 91 – 100
Santo Evaristo, 100 – 109
Santo Alexandre I, 109 – 119
S. Sixto I, 119- 128
S. Telésforo, 128 – 139
Santo Higino, 139 – 142
S. Pio I, 142 – 150
Santo Aniceto, 150 – 162
S. soter, 162 – 170
Santo Eleutério, 170 – 186
S. Vitor, 186 – 197
S. Zefirino, 197 – 217
S. Calisto I, 217 – 222
Santo Urbano I, 222 – 230
S. Ponciano, 230 – 235
Santo Antero, 235 – 236
S. Fabiano, 236 – 251
S. Cornélio, 251 – 252
S. Lúcio I, 252 – 254
Santo Estêvão I, 254 – 257
S. Sixto II, 257 – 259
S. Dionísio, 259 – 269
S. Félix, 269 – 275
Santo Eutiquiano, 275 – 283
S. Caio, 283 – 295
S. Marcelino, 295 – 304
S. Marcelo, 304 – 310
Santo Eusébio, 310 – 311
S. Melcíades, 311 – 313
S. Silvestre I, 313 – 336
S. Silvestre batizou o imperador Constantino Magno.
O Governo da Igreja (Bispos e Fiéis)
Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho, sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a Igreja de Deus a qual santificou pelo seu próprio sangue” (At 20, 28)
Quem vos ouve, a mim ouve; quem vos despreza, a mim despreza; e quem me despreza, despreza aquele que me enviou“. (LC 10, 16)
A Bíblia diz claramente que Jesus Cristo fundou uma Igreja sobre Pedro (Mt 16, 18), diz que estaria com ele até o fim do mundo (Mt 28, 13-20), que lhe dava as chaves do reino do céu (Mt 16, 19), que esta Igreja seria coluna e firmamento da verdade (1 Tim 3, 15), que é preciso escutar esta Igreja sob pena de ser tratado como um pagão (Mt 18, 17).
Mesmo em relação à autoridade dos Fariseus e Escribas, apesar de viciados em seus erros, por serem a autoridade legítima, disse Nosso Senhor:  “Sobre a cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus; observai, pois, e fazei tudo o que eles vos disserem; mas não imiteis as suas ações” (Mt 23, 2).
Nosso Senhor escolheu, entre seus inúmeros discípulos, apenas doze Apóstolos, (Mt. 10, 2-4). Instruiu-os duma maneira particular, desvendou-lhes o sentido das parábolas que as turbas não compreendiam (Mt. 13, 2) e associou-os à sua obra mandando-lhes que pregassem o reino de Deus aos filhos de Israel (Mt. 10, 5, 42).
Poucos dias antes da Ascenção, Cristo confiou aos doze Apóstolos o poder que antes lhes tinha prometido: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra; ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que eu vos tenho ordenado, e estai certos de que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt. 28, 19-20). Portanto, conclui Boulenger, Jesus Cristo comunicou aos Apóstolos o poder – 1) de ensinar: “ide e ensinai todos os povos“, 2) de santificar, pelos ritos instituídos para este fim e, em particular, pelo batismo, 3) de governar, uma vez que os Apóstolos hão de ensinar o mundo a “observar” tudo o que Ele mandou.
A Hierarquia reconhecida na história:
1) Testemunho de Santo Irineu, argumentando contra os hereges, apresenta o caráter hierárquico da Igreja, como um ‘fato notório‘ que ninguém pode negar, como uma fundação de Cristo e dos Apóstolos. Ora, como podia reivindicar para a Igreja cristão a origem apostólica, se os seus adversários pudessem apresentar provas da fundação recente da hierarquia?
2) Testemunho de S. Policarpo, em meados do sec. II, designa os pastores como “chefes da hierarquia e guardas da fé
3) No mesmo século ainda podemos citar os testemunhos: a) o de Hegesipo que mostra as Igreja governadas pelos Bispos, sucessores dos apóstolos; b) o de Dionísio de Corinto, que escreve na sua carta à Igreja romana que a Igreja de Corinto guarda fielmente as admoestações recebidas outrora do Papa Clemente.
4) No ano 110, Santo Inácio de Antioquia, em sua Epístola aos Romanos, da Igreja de Roma como do centro da cristandade: “Tu (Igreja de Roma) ensinastes as outras. E eu quero que permaneçam firmes as coisas que tu prescreves pelo teu ensino” (Rom, IV, 1).
5) Cerca do ano de 96, S. Clemente Romano, discípulo imediato de S. Pedro e de S. Paulo, escreveu uma carta aos Coríntios, na qual nos dá da Igreja noção equivalente à de S. Ireneu, apresentando a hierarquia como a “guarda da tradição” e a Igreja de Roma com a primazia universal sobre todas as Igrejas locais.
6) Deste modo, chegamos, de geração em geração, aos tempos apostólicos.  Desde o primeiro alvorecer do cristianismo, os Apóstolos desempenharam a dupla função de dirigentes e pregadores. Escolheram Matias para ocupar o lugar de Judas (At 1, 12, 26). Instituíram diáconos nos quais delegaram parte dos seus poderes (At. 6, 1, 6).
Na prática da Igreja também fica claro o poder de governo sobre todos os cristãos. Os Apóstolos exerceram este tríplice poder: a) Poder legislativo: No Concílio de Jerusalém, impõem aos recém-convertidos “que se abstenham das carnes oferecidas aos ídolos, das viandas sufocadas e da impureza” (At 15, 29); b) poder judiciário: S. Paulo entrega a Satanás “Himeneu e Alexandre, para aprenderem a não blasfemar” (I Tim 1, 20); c) poder penal: S. Paulo escreve aos coríntios: “Portanto, eu vos escrevo estas coisas, estando ainda longe de vós, de modo que, quando eu chegar aí, não tenha de castigar, segundo o poder a mim confiado por Deus para edificar, não para destruir” (II Cor 13, 10).
A infalibilidade Papal
Vimos que Jesus Cristo fundou uma Igreja hierárquica, conferindo aos Apóstolos e aos Bispos, seus sucessores, os poderes de ensinar, de santificar e de governar. Demonstraremos agora que Jesus ligou ao poder de ensinar o privilégio da “infalibilidade“.
Conceito: A infalibilidade é a garantia de preservação de todo erro doutrinal pela assistência do Espírito Santo. Não é simples inerrância de fato, mas de direito. Portanto, não se deve confundir a infalibilidade com a “inspiração“, que consiste no impulso divino que leva os escritores sagrados a escreverem o que Deus quer; e nem com a “revelação“, que supõe a manifestação duma verdade antes ignorada. O privilégio da Infalibilidade não faz com que a Igreja descubra verdades novas; garante-lhe somente que, devido à assistência divina, não pode errar nem, por conseqüência, induzir em erro, no que respeita a questões de Fé ou moral.
Todavia, não se confunde a “infalibilidade” com a “impecabilidade“. A Igreja nunca defendeu a tese de que o Papa não pudesse cometer pecados. O Papa é infalível quando segue as normas da infalibilidade, falando à toda a Igreja, como sucessor de S. Pedro, em matéria de Fé e Moral, definindo uma verdade que deve ser acatada por todos. Em sua vida privada – ou quando não utilizando a fórmula da infalibilidade -, o Papa pode cometer erros e até pecados.
A Existência da Infalibilidade segundo a Razão, a Revelação e a Tradição.
Argumento de razão: Não se justifica que Deus possa ter deixado os homens à sua própria sorte no tocante à doutrina. O “livre exame” protestante gera o subjetivismo e as divisões, condenadas pela Sagrada Escritura. A autoridade de um corpo de apóstolos é necessária, racionalmente, para a realização dos planos de Deus na terra, sob pena de aceitarmos a tese de que Deus não guia seu povo.
Argumento histórico:
Somos chegados ao campo positivo da história. Afinal, o que Jesus devia fazer, segundo a razão, tê-lo-ia feito? Terá instituído uma autoridade viva e infalível encarregada de guardar e ensinar a sua doutrina?
O primeiro ponto, de que Nosso Senhor instituiu uma Igreja hierárquica, com chefes a quem concedeu o poder de ensinar, já está demonstrado anteriormente. Resta agora examinar o segundo ponto, no qual provaremos que o poder de ensinar comporta o privilégio da “infalibilidade”.
a) Nos textos da Escritura:
A S. Pedro, em especial, prometeu Jesus Cristo que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Igreja)” (Mat. 16, 18); e a todos os Apóstolos prometeu, por duas vezes, enviar-lhes o Espírito de Verdade (Jo. 14, 15; 15, 26) e ficar com eles até ao fim do mundo (Mat 28, 20). Estas promessas significam claramente que a Igreja é indefectível, que os apóstolos e os seus sucessores não poderão errar quando ensinarem a doutrina de Jesus; porque a assistência de Cristo não pode ser em vão, nem o erro estar onde se encontra o Espírito de verdade;
b) No modo de proceder dos Apóstolos:
Do seu ensino se depreende que tinham consciência de ser assistidos pelo Espírito Santo. O decreto do Concílio de Jerusalém termina com estas palavras: “Assim pareceu ao Espírito Santo e a nós” (At. 15, 28). Os Apóstolos pregam a doutrina evangélica “não como palavra de homens, mas como palavra de Deus, que na verdade o é” (1Tes 2, 13), a que é necessário dar pleno assentimento (II Cor 10, 5) e cujo depósito convém guardar cuidadosamente (1 Tim 6, 20). Além disso, confirmam a verdade de sua doutrina com muitos milagres (At 2, 43 etc): prova evidente de que eram intérpretes infalíveis da doutrina de Cristo, de outro modo Deus não a confirmaria com o seu poder;
c) Na crença da antigüidade cristã:
Concedem os nossos adversários que a crença na existência dum magistério vivo e infalível existia já no século III. Basta, portanto, aduzir testemunhos anteriores.
Na primeira metade do século III, Orígenes, aos hereges que alegam as Escrituras, responde que é necessário atender à tradição eclesiástica e crer no que fio transmitido pela sucessão da Igreja de Deus. Tertuliano, no tratado “Da prescrição“, opõe aos hereges o “argumento da prescrição” (condenando o que contraria o ensinado pelos apóstolos) e afirma que a regra de fé é a doutrina que a Igreja recebeu dos Apóstolos.
Nos fins do século II, S. Irineu, na carta a Florino e no “Tratado contra as heresias“, apresenta a Tradição apostólica como a sã doutrina, como uma tradição que “não é meramente humana“. Donde se segue que não há motivo para discutir com os hereges e que estão condenados pelo fato de discordarem desta tradição.
Pelo ano de 160, Hegesipo apresenta, como critério da Fé ortodoxa, a conformidade com a “doutrina” dos Apóstolos “transmitida” por meio dos Bispos, e por esse motivo redige a lista dos Bispos. Na primeira metade do século II, Policarpo e Papias apresentam a doutrina dos Apóstolos como a única verdadeira, como uma regra segura de Fé. Nos princípios do mesmo século, temos o testemunho de Santo Inácio. Afirma este santo que a Igreja é “infalível” e que a incorporação nela é necessária a quem se quer salvar.
Conclusão: tanto através da razão como da história, provamos que o poder de ensinar, conferido por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja docente, traz consigo o privilégio da “infalibilidade“, isto é, que a Igreja não pode errar quando expõe a doutrina de Jesus Cristo.
Agora devemos analisar sobre quem recai a “infalibilidade
Pelo exposto, fica claro que a “infalibilidade” é privilégio daqueles a quem compete “ensinar“, isto é, os Apóstolos e, de modo especial, a S. Pedro e seus sucessores.
A infalibilidade do colégio apostólico provém, portanto: a) da missão conferida a “todos os apóstolos” de “ensinar todas as nações” (Mat 28, 20); b) da “promessa de estar com eles” “até à consumação dos séculos” (Mat 28, 20) e de lhes “enviar o consolador, o Espírito Santo que lhes há de ensinar toda a verdade” (Jo, 14, 26). Estas passagens mostram com evidência que o privilégio da “infalibilidade” foi concedido ao “corpo docente” tomado coletivamente.
A sucessão desse poder deve ser entendida no sentido de que o colégio apostólicos, atualmente composto pelos bispos, é ‘infalível’ não individualmente em cada bispo, mas no conjunto deles.
No caso de S. Pedro e seus sucessores, a infalibilidade é pessoal. Provaremos isso com argumentos tirados dos textos evangélicos e da história.
O argumento escriturístico deriva dos mesmo textos que demonstram o primado de S. Pedro: “Tu és Pedro…“, pois é incontestável que a estabilidade do edifício lhe vem dos alicerces. Se. S. Pedro, que deve sustentar o edifício cristão, pudesse ensinar o erro, a Igreja estaria construída sobre um fundamento inseguro e já se não poderia dizer “as portas do inferno não prevalecerão contra ela“.
Depois, com o “Confirma fratres” (“confirma os irmãos“), Nosso Senhor assegurou a Pedro que pedira de modo especial por ele, “para que sua fé não desfaleça” (Luc 22, 32). É evidente que esta prece feita em circunstâncias tão solenes e tão graves (o momento da paixão de Nosso Senhor) não pode ser frustrada.
Finalmente, com o “Pasce Oves” (apascenta as minhas ovelhas), foi confiada a Pedro a guarda, o governo, de todo o rebanho. Ora, não se pode supor que Jesus Cristo tenha entregue o cuidado do seu rebanho, colocando S. Pedro como Pastor, a um pastor que pudesse desencaminhar as ovelhas eternamente, ensinando o erro.
O Argumento histórico da infalibilidade de S. Pedro:
A crença da Igreja não se manifestou da mesma forma em todos os séculos. Houve, na verdade, certo desenvolvimento na exposição do dogma e até no uso da infalibilidade pontifícia; mas nem por isso o dogma deixa de remontar aos primeiros tempos, e de fato já o encontramos em germe na Tradição mais afastada, como se demonstra pelo sentir dos Padres da Igreja e dos concílios, e pelos fatos:
No século II, S. Irineu afirmava que todas as Igrejas se devem conformar com a de Roma, pois só ela possui a verdade integral.
S. Cipriano dizia que os Romanos estão “garantidos na sua fé pela pregação do Apóstolo e são inacessíveis à perfídia do erro” (o apóstolo dos romanos é S. Pedro).
S. Jerônimo, para pôr termo às controvérsias que afligiam o Oriente, escreveu ao Papa S. Dâmaso nos seguintes termos: “Julguei que devia consultar a este respeito a cadeira de Pedro e a fé apostólica, pois só em vós está ao abrigo da corrupção o legado dos nossos pais“.
S. Agostinho diz a propósito do pelagianismo: “Os decretos de dois concílios relativos ao assunto foram submetidos à Sé apostólica; já chegou a resposta, a causa está julgada“, “Roma locuta est, causa finita est“.
O testemunho de S. Pedro Crisólogo não é menos explícito: “Exortamo-vos, veneráveis irmãos, a receber com docilidade os escritos do santo Papa da cidade de Roma, porque S. Pedro, sempre presente na sua sede, oferece a fé verdadeira aos que a procuram“.
O que fica dito anteriormente acerca do primado do Bispo de Roma, aplica-se com a mesma propriedade ao reconhecimento de sua infalibilidade.
No século II, o papa Victor excomungou Teódoto que negava a divindade de Cristo, com uma sentença tida por todos como definitiva. Zeferino condenou os Montanistas, Calisto os Sabelianos, e, a partir destas condenações, foram considerados como hereges. Em 417, o papa Inocêncio I proscreveu o pelagianismo, e a Igreja reconheceu o decreto como definitivo. Em 430, o papa Celestino condenou a doutrina de Nestório, e os Padres do Concílio de Éfeso seguiram a sua opinião.
O concílio de Calcedónia (451) recebeu solenemente a célebre carta dogmática do Papa Leão I a Flaviano, que condenou a heresia de Eutiques, proclamando unanimemente: “Pedro falou pela boca de Leão“. Do mesmo modo os Padres do III Concílio de Constantinopla (680) aclamaram o decreto do Papa Agatão que condenava o monotelitismo, dizendo: “Pedro falou pela boca de Agatão“.
Como se vê, desde os primeiros séculos a Igreja romana é reconhecida como o “centro da fé” e como a “norma segura da ortodoxia“. Quanto mais avançamos, tanto mais explícitos são os termos que nos manifestam a universalidade desta crença, proclamada como dogma no I Concílio Vaticano.
Finalmente, podemos afirmar que nunca um Papa, na história da Igreja, proclamou, segundo a fórmula da infalibilidade, um erro doutrinário.
Unidade da mesma Igreja
Apenas com um chefe visível, infalível, se pode cumprir a unidade do “corpo místico de cristo”.
Em relação à doutrina:
1) “Quem não está comigo é contra mim“(Mt 12,30)
2) “Um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos” (Ef 4, 3-6)
3) “Não rogo apenas por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste“(Jo 17,20-21).
4) “Recomendo-vos, irmãos, que tomeis cuidado com os que produzem divisões contra a doutrina que aprendestes. Afastai-vos deles” (Rm 16, 17).
5) “Se alguém vos anunciar um evangelho diferente, seja execrado, isto é, seja excomungado“(G. 1,7-9).
Em relação ao culto:
1) “Porque há um só pão, um só corpo somos nós, embora muitos, visto participarmos todos do único pão” (1Cor 10,17)
2) “A multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma“(At 4, 32)
3) “Esforçai-vos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef. 4,3).
Em relação à unidade de Governo:
1) “Irmãos, conjuro-vos que sejais sempre perfeitamente unidos num só sentimento e num mesmo pensar” (1 Cor 1,10)
2) “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Estas tenho de reunir, e elas ouvirão a minha voz. E então haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo. 10,16; Mt 16, 15-16).
O próprio fato de S. Paulo ter procurado a unidade na questão da circuncisão deixa patente a existência de uma Igreja una. No concílio que decidiu essa questão, em Jerusalém, foi S. Pedro quem falou primeiro e quem deu a última palavra sobre a questão: “Então toda a assembléia silenciou“(At 15, 7-12), obedecendo ao Chefe do Colégio Apostólico.
Nas Sagradas Escrituras, é só folhear os Atos dos Apóstolos e verificar o crescimento da Igreja (a mesma e una) desde o início até os dias de hoje.
A Igreja cresceu rápida, veloz, ao ponto que S. Paulo pôde compará-la com “um edifício vastíssimo, tendo os apóstolos por alicerce e Cristo como pedra angular.” (Ef. 2, 20)
Tertuliano se atrevia a escrever no seu Apologético, dirigido ao imperador romano: “Somos de ontem, e já enchemos as cidades, as ilhas, os castelos, os acampamentos, as aldeias e os campos; só deixamos vazios os vossos templos. Se nos retirassem, o império ficaria deserto“.
A Igreja de Cristo vai crescendo e se espalhando, “multitudo ingens“, diz Tácito, falando do tempo de Nero (Anais 15, 44), formando uma “imensa multidão“, até que, afinal, dominando e vencendo a tirania dos imperadores pagãos, logre o reconhecimento oficial, com o reinado de Constantino Magno, primeiro imperador cristão.
Foi nesse tempo, em 325, que se reuniu o primeiro concílio dos bispos católicos, em Nicéia, ao qual compareceram 318 bispos, sob a presidência de Ósio, bispo de Córdova, assistido de dois legados do Papa (de Roma), S. Sivestre.
Portanto, a história e a bíblia são claros ao narrar a expansão da mesma Igreja, fundada por Nosso Senhor sobre S. Pedro, em unidade.