Faltam sete livros na bíblia protestante
Para sua decepção, os protestantes são culpados de violar sua própria doutrina. A Sola Scriptura proíbe que algo seja acrescentado ou subtraído das Escrituras, porém os protestantes retiraram sete livros das Escrituras do Antigo Testamento, assim como porões de outros dois. Estes são erroneamente chamados de Apócrifos (não-autênticos) pelos protestantes, e de deuterocanônicos (segundo cânon) pelos católicos: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, partes de Daniel e Ester.
Defendendo seu cânon incompleto, os protestantes apresentam alguns argumentos, tais como: 1) O cânon menor, chamado cânon farisaico ou palestinense do Antigo Testamento, foi aceito por Jesus e seus apóstolos, pois eles nunca citaram nenhuma fonte dos livros deuterocanônicos; 2) O Antigo Testamento foi fechado no tempo de Jesus, e este era composto pelo cânon menor; 3) Os próprios judeus aceitaram o cânon menor no sínodo de Jâmnia (ou Javneh) em 90 d.C.; 4) Os livros deuterocanônicos contém doutrinas anti-bíblicas.
Vejamos cada um destes argumentos:
1) Sobre este, que Jesus e seus apóstolos aceitaram o cânon menor, um exame das citações neotestamentárias do Antigo Testamento demonstrará a falácia. O Novo Testamento cita o Antigo cerca de 350 vezes, e em aproximadamente 300 destas (86%!) foram retiradas daseptuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento, largamente usada no tempo de Cristo. Esta versão, a septuaginta, continha os deuterocanônicos. Não há razão para dizer que Jesus e os seus discípulos aceitaram o cânon menor, quando na maioria das vezes utilizaram fontes do Antigo Testamento que continham os deuterocanônicos.
Tomemos o exemplo de Paulo, cujas cartas missionárias eram dirigidas a regiões fora da palestina. Deve-se notar, por exemplo, que seu sermão em Antioquia na Pisídia presumiu um conhecimento, entre seus ouvintes, da Septuaginta e uma vez que a comunidade fora formada, o conteúdo de suas cartas a estas era baseado na Septuaginta [40] Obviamente, Paulo assim não rejeitava, mas se utilizava do cânon maior, com os livros deuterocanônicos.
Além do mais, é errado dizer que estes livros não foram citados no Novo Testamento [41] e que tal citação deve ser pré-requisito para a canonicidade de um livro bíblico. Algumas fontes dizem que os deuterocanônicos são citados no Novo Testamento, no mínimo, 150 vezes [42]. Acrescido a isto, livros do cânon menor, como Eclesiastes, Abdias e Ester não são citados por Jesus ou seus apóstolos, e nem por isso os protestantes retiraram-nos do seu cânon. Obviamente este argumento não serve para determinar a canonicidade de um livro.
2) A evidência histórica mostrará que o argumento protestante de que o cânon do Antigo Testamento foi fechado no tempo de Jesus é falso. Primeiro que não havia nenhum cânon palestino oficial, pois existia neste tempo três cânons em circulação [43], além da Septuaginta. Segundo, as evidências mostram que o judaísmo durante os últimos dois séculos antes de Cristo e o primeiro século depois de Cristo não era uniforme em seu entendimento sobre quais livros deveriam ser considerados sagrados. Existiam muitas opiniões dentro e fora de Israel sobre esta questão [44].
3) Usar o sínodo de Jâmnia para justificar o cânon menor é problemático por algumas razões: a) tal decisão, tomada cerca de 50 anos após a morte de Cristo, não tem relação alguma com o cânon dos livros cristãos, pois os rituais veterotestamentários (como não comer carne de porco) não têm relação com o cristianismo; b) é questionável se de fato este sínodo possuiu uma visão definitiva e autoritária sobre o cânon do Antigo Testamento das Escrituras, pois a lista continuou a variar dentro judaísmo até o século 4 d.C. [45]; c) o sínodo foi, de certo modo, formado devido a polêmica contra a seita dos cristãos, portanto em total oposição ao cristianismo. Estes judeus aceitaram o cânon menor porque os cristãos aceitavam o cânon maior da Septuaginta; d) as decisões deste sínodo representaram a decisão de apenas um ramo do judaísmo farisaico, o da palestina, e não do judaísmo como um todo.
4) Por fim, para os protestantes afirmarem que os deuterocanônicos possuem doutrinas anti-bíblicas é decididamente um caso de insegurança dogmática. Esta conclusão foi tomada porque os reformadores, claramente em antagonismo com a Igreja Católica, tomavam a Bíblia a priori como um livro de doutrinas protestantes. Descartaram os deuterocanônicos porque continham doutrinas católicas, como 2 Mac 12,42-46, que claramente baseia a oração pelas almas do purgatório: santo foi e piedoso o seu pensamento, e foi essa a razão por que mandou que se celebrasse pelos mortos um sacrifício expiatório, para que fossem absolvidos de seus pecados. Lutero, claramente, quis retirar também do Novo Testamento livros como Apocalipse, Hebreus e Tiago, este merecendo o nome de epístola de palha, onde nada de evangélico é encontrado [46], isso devido, sem dúvidas, o fato de que Tiago afirmava que somos salvos pela fé e pelas boas obras (Tg 2,14-26), refutando a doutrina recém-criada por Lutero de que somos salvos somente pela fé, sem participação das obras. Lutero foi convencido por seus correligionários a não retirar mais este livro da Bíblia.
Além deste fato acima, existe o testemunho histórico da continuidade do cânon bíblico. enquanto vimos que existiam disputas em relação ao cânon bíblico, duas considerações são evidentemente verdadeiras: a) com certeza os deuterocanônicos eram usados pelos cristãos do primeiro século, a começar por Jesus e seus apóstolos; b) desde que foi definido o cânon no século 4, não vemos mudança alguma em relação ao conteúdo da Bíblia. Na prática, a única disputa que surgiu após este evento veio com a reforma protestante, somente no século 16, que decidiram que poderiam simplesmente lançar no lixo a continuidade de 11 séculos do cânon bíblico em sua existência formal, e 15 séculos de existência prática.
O fato de que qualquer pessoa possa vir e simplesmente alterar a continuidade de um tema tão central como o conteúdo dos livros da Escritura deveria levar o cristão a pensar seriamente sobre um detalhe. Este cristão deveria se perguntar: com que autoridade esta pessoa pôde fazer esta alteração? Tanto a história como os próprios escritos de Lutero mostram que suas ações foram baseadas em nada mais que sua opinião pessoal. Certamente, tal "autoridade final" falha grosseiramente no que se requer para que alguma alteração canônica seja feita, especialmente quando se considera que o processo de identificar o cânon bíblico envolveu um processo guiado pelo Espírito Santo, levou séculos, e envolveu algumas das maiores mentes do cristianismo assim como alguns Concílios da Igreja. Mais interessante é o fato de que outros chamados reformadores - e desde então todos os protestantes - aceitaram a alteração do cânon de Lutero, mesmo que todos dissessem que eram fiéis à Bíblia e insistiam que nada deveria ser acrescentado ou retirado de suas páginas.
Traduzido para o Veritatis Splendor por Rondinelly Ribeiro Rosa.
Respostas a alguns "erros" dos livros deuterocanônicos
As igrejas protestantes historicamente rejeitam os livros deuterocanônicos, apesar de há poucos séculos atrás trazerem-nos em suas Bíblias. Obviamente, é uma rejeição sem fundamento algum, seja historicamente ou escrituristicamente. Porém existem algumas questões que permanecem no inconsciente coletivo do protestantismo, que fazem com que não percebam que apenas se fundamentam em falácias.
Apresento aqui rápidos comentários a algumas destas questões.
Afirmação: como podem os católicos chamar livros como Judite e Tobias de deuterocanônicos e pertencentes à Bíblia? Judite, por exemplo, mente. Rafael dá um nome falso.
Resposta: nós podemos afirmar que existem várias dificuldades na interpretação dos livros que nós, católicos e protestantes, aceitamos comumente como canônicos, mas isso de modo algum indica que possam ensinar um erro. Não devemos pretender usar o natural para medir o sobrenatural (algo que, diga-se, deixa uma tremenda dificuldade para os protestantes, pois estes rejeitaram a possibilidade de um Magistério Infalível para reconhecer e guiar os cristãos na verdade, ficando então isolados consigo mesmos e com a Bíblia, que não se explica sozinha). Existem exemplos, em outros livros, de "mentiras". As parteiras dos hebreus mentiram ao faraó a respeito do nascimento de Moisés (Ex 1,15-21), e Deus as "tornou eficazes" (Ex 1,20). Jacó mentiu a seu pai, Isaac, mas recebeu a bênção especial (Gn 27,19). Jael mentiu para Sísara, ao dizer "não temas", quando na verdade "enterrou o prego na fonte de Sísara, pregando-o assim na terra enquanto ele dormia profundamente por causa da muita fadiga" (Jz 4,18-21). Mesmo assim Deus lhe disse: "Bendita seja entre as mulheres Jael, mulher de Heber, o quenita! Entre as mulheres da tenda seja bendita!" (Jz 5,24). Obviamente não podemos dizer que estes livros ensinam o erro, mas podemos dizer que Deus abençoa pessoas imperfeitas que apresentam boas intenções.
Não consideramos que Rafael esteja mesmo mentindo (Tb 5,15-18). Na realidade, ele se identificou com outro nome ao invés de dar sua identidade completa. Isso não pode ser um pecado porque mesmo Jesus possuiu vários nomes e Ele não se revelou por completo. Quando os judeus lhe perguntaram a respeito de sua autoridade para realizar milagres, Ele não a revelou (Mt 21,23-27). Jesus também era chamado de Emanuel, que significa Deus conosco. Jesus e Rafael podiam ter nomes diferentes, pois o nome revela a essência dessa pessoa e manifesta qualidades espirituais. Da mesma forma Maria pode ser chamada de "cheia de graça", etc.
Afirmação: como pode o livro de Judite ser verdadeiro se logo no começo ele afirma que o Nabucodonosor foi rei dos assírios (Jd 2,1), quando na verdade ele foi rei dos babilônios (2Rs 24,1)?
Resposta: o mais importante no livro de Judite não é quem foi o rei dos assírios, pois na realidade ele tem como objetivo mostrar verdades espirituais a um povo oprimido e lhes dar esperança, o que é mais importante. O livro não enganou os seus leitores porque eles, assim como o autor, conheciam quem era o rei Nabucodonosor. Nós podemos perceber em outros livros passagens com semelhantes "enganos" dos autores, livros estes que os protestantes não mencionam por aceitarem como canônicos. Por exemplo, Jó menciona que a terra é sustentada por colunas (Jo 9,5-6), e Jesus, que disse que o grão de mostarda é o menor grão que existe (Mc 3,41). Temos também que, no começo da criação, Deus criou a luz antes de criar as estrelas (Gn 1,3.14). Alguns destes "erros" se explicam porque Jesus, no exemplo do grão de mostarda, estava usando o que era de conhecimento comum, pois ele mais confundiria que explicaria suas palavras se, no meio do discurso, dissesse que, na verdade, ainda existem os esporos...
Vejamos a necessidade de se interpretar informações que aparentemente são conflitantes.
Mc 2,25-26: "Nunca lestes o que fez Davi, quando se achou em necessidade e teve fome, ele e os seus companheiros? Ele entrou na casa de Deus, sendo Abiatar príncipe dos sacerdotes, e comeu os pães da proposição, dos quais só aos sacerdotes era permitido comer, e os deu aos seus companheiros".
1Sm 21,1-6: "Davi foi para Nobe. Chegando à casa do sacerdote Aquimelec, este saiu-lhe ao encontro muito inquieto, dizendo: Por que estás só? Não há ninguém contigo? Davi respondeu-lhe: O rei confiou-me uma missão, com a ordem de não revelar a ninguém o motivo por que me enviou. Combinei com os meus servos um encontro em certo lugar. E agora, se tens à mão alguma coisa, dá-me cinco pães ou qualquer outra coisa que tenhas disponível. Aquimelec respondeu: Não tenho à mão o pão ordinário, mas só pães consagrados, com a condição, no entanto, de que teus servos se tenham abstido de mulheres. Respondeu-lhe Davi: Não tivemos comércio com mulher alguma desde que parti, há três dias. Todos os objetos que pertencem aos meus servos estão puros; e, se nossa missão é profana, pode ser santificada por aquele que a cumpre. Então o sacerdote deu-lhe os pães consagrados, porque não havia ali senão os pães da proposição, que tinham sido tirados da presença do Senhor e imediatamente substituídos por pães frescos".
Nós vemos aqui que Jesus diz que Abiatar era o príncipe dos sacerdotes. Mas A Bíblia nos diz que quem ocupava tal posto era Aquimelec, na verdade pai de Abiatar (1Sm 23,6))? Como explicar isso?
Abiatar é citado porque representa o fim de sua linhagem. Foi o último sacerdote que apoiava Saul como rei. Foi o único que escapou quando Saul matou toda sua família. Quando Davi morreu e Salomão subiu ao trono, seu irmão mais velho, Adonias, armou um plano para usurpar o poder (1Rs 2,17). "E o rei Salomão disse à sua mãe: Por que queres que Abisag, a sunamita, seja dada a Adonias? Pede também para ele o reino, que é meu irmão primogênito, assim como para o sacerdote Abiatar e para Joab, filho de Sarvia..." (1Rs 2,22). Salomão matou Adonias (vv.24-25), Abiatar foi destituído e em seu lugar nomeado Sadoc (1Rs 2,27.35).
Sadoc apoiou o reinado de Salomão e representava a nova linhagem de sacerdotes. Sadoc agora representava a nova ordem, pois apoiava o novo rei, o filho de Davi, o rei Salomão. Em Cristo nós temos uma nova ordem e um novo reino. Abiatar representava a antiga ordem, o antigo reino. Ele representa Abimelec, seu pai, e a antiga ordem sacerdotal. Este é um tipo dos fariseus que falharam em reconhecer a nova ordem do filho de Davi, o verdadeiro rei de Israel. Assim como ele foi destituído, os fariseus também foram. Assim, citando Abiatar, que representava a antiga ordem, o evangelista Marcos alude ao antigo sistema dos fariseus, que seria substituído.
Diante da dificuldade que a interpretação oferece, infelizmente, os protestantes preferem rejeitar os livros deuterocanônicos a tentarem buscar neles exemplos e mensagens que nada tem de contrário a todo o resto da Bíblia.
Traduzido para o Veritatis Splendor por Rondinelly Ribeiro Rosa.
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