Robin Smith, da NeoStem, e monsenhor Tomasz Trafny: Vaticano e cientistas, juntos pelas células-tronco
O monsenhor Tomasz Trafny (ao centro), a dra. Robin Smith e o dr. Max
Gomez apresentam ao papa Bento XVI o livro “The healing cell”, em junho
de 2012. (Foto: Divulgação/NeoStem, Inc.)
Acreditem ou não, passou completamente batido por mim o quinto aniversário do
Tubo de Ensaio, comemorado no início de setembro. E olhem que sou bom com datas! Em minha defesa, posso dizer que o “jubileu de madeira” do
Tubo
se deu exatamente enquanto eu estava na Inglaterra. A minha intenção
para o aniversário era publicar um material especial: esta entrevista
que está abaixo. A dra. Robin Smith, CEO da
NeoStem,
empresa do ramo de terapia celular, e o monsenhor Tomasz Trafny, chefe
do departamento de ciência e fé do Vaticano, conversaram comigo, por
telefone, da sede da NeoStem em Nova York, algumas semanas atrás. A
empresa e o Vaticano estão juntos desde maio de 2010, em uma parceria
assinada entre a
Stem for Life Foundation (o braço caritativo da NeoStem) e o
STOQ Internacional,
projeto que começou com várias universidades católicas colaborando na
pesquisa sobre ciência e fé, e que depois foi “encampado” pelo Vaticano
por meio do
Pontifício Conselho para a Cultura.
A parceria tem o objetivo de promover a pesquisa com células-tronco
adultas, em consonância com os valores de respeito à vida humana desde a
concepção tão caros à Igreja Católica. Além do impulso à pesquisa, a
parceria já rendeu um livro e dois congressos realizados no Vaticano.
Este é um exemplo acabado de cooperação entre ciência e religião, e,
permitam-me dizer, uma bela resposta aos que acusam a Igreja Católica de
ser insensível ao sofrimento de doentes cuja esperança está nas
terapias celulares. Confiram a íntegra da nossa conversa; uma versão
mais curta foi publicada no caderno
Mundo, da
Gazeta do Povo de hoje:
Como se produziu uma parceria como esta, que muitos veem como incomum?
Mons. Trafny: Normalmente os departamentos do Vaticano não
estabelecem parcerias com companhias privadas. Mas queríamos explorar
algumas questões específicas, como o potencial das células-tronco
adultas, o que exigia uma colaboração mais próxima não só com quem
tivesse expertise no tema, mas que também pudesse ajudar com recursos.
Então, em vez de fazer isso nós mesmos, pedimos conselho a pessoas que
estão na linha de frente da pesquisa e das descobertas nesse ramo. O
motivo pelo qual começamos a trabalhar com a NeoStem é o fato de que
buscávamos não apenas um parceiro qualquer, mas um parceiro que
cumprisse alguns requisitos que tínhamos. Você sabe que temos algumas
exigências de nível ético; buscávamos parceiros que compartilhassem da
nossa visão, não apenas do ponto de vista científico, mas principalmente
do ponto de vista moral. Em primeiro lugar, eles têm uma plataforma
ética muito clara: nunca fizeram pesquisa com embriões, e nem querem
fazê-lo. Em segundo lugar, é muito importante o fato de eles
compartilharem conosco o interesse em um tema muito específico que
estamos explorando: o potencial impacto cultural da pesquisa com
células-tronco na medicina. É muito difícil encontrar universidades ou
instituições que vão além da pesquisa técnica e estejam interessadas nas
implicações culturais de seu trabalho. Por muito tempo buscamos quem o
fizesse, e encontramos isso na NeoStem. Eles estão muito bem
qualificados como pesquisadores, compartilham nosso interesse cultural e
têm princípios éticos claros.
Robin Smith: Quando as pessoas falam de células-tronco,
frequentemente há confusão. A maioria pensa de imediato nas células
embrionárias porque, durante boa parte dos anos 90, a imprensa priorizou
a controvérsia criada pelo debate sobre a pesquisa com embriões. Como
essa é a única impressão que boa parte do público tem sobre
células-tronco, muitos não sabem que as células-tronco adultas são algo
diferente, são células retiradas do nosso próprio corpo com nosso
consentimento, ou seja, não há implicações éticas associadas ao seu uso.
Então, essa parceria entre a Fundação Stem for Life e a STOQ
Internacional (ambas entidades sem fins lucrativos), a NeoStem, que é
líder no mercado emergente de terapias celulares, e o Pontifício
Conselho para a Cultura é única, e a primeira desse gênero. Temos uma
tremenda oportunidade de conscientizar uma audiência muito grande sobre a
pesquisa científica que vem sendo feita com células-tronco adultas, em
que pé estamos atualmente em relação a isso, e quão importantes as
terapias celulares em geral serão no futuro. Essa parceria ajuda a
espalhar a mensagem de que há uma mudança em curso na medicina, na
direção de usar células do nosso próprio corpo para desenvolver terapias
que tratem doenças crônicas.
Hoje, quão conscientes os cientistas estão a respeito das
questões éticas que envolvem a pesquisa com células-tronco embrionárias?
Robin Smith: Há tantos cientistas brilhantes no mundo, mas,
como o dr. John Gurdon mencionou na última conferência que tivemos no
Vaticano, ele e muitos de seus colegas provavelmente não consideraram
algumas das implicações éticas envolvidas na ciência das células-tronco.
Os cientistas costumam focar tanto a parte técnica do seu trabalho que
não necessariamente consideram outras questões. Por isso é importante
alimentar esse tipo de debate. Quando se tem mais informação, é possível
tomar decisões mais embasadas. E, independentemente de quais são suas
crenças, entender perspectivas diferentes e respeitar essas diferenças
ajuda a levar a ciência adiante.
John Gurdon, aliás, ganhou o Nobel de Medicina por sua pesquisa
com células-tronco adultas. Considerando que se fala muito mais da
pesquisa e do potencial das células embrionárias, vocês se sentiram
“justificados” quando o prêmio foi anunciado?
Mons. Trafny: Quando buscávamos palestrantes para nossa
conferência, queríamos os melhores conferencistas que podíamos obter.
Convidamos o dr. Gurdon para que pudéssemos ouvi-lo sobre seu trabalho e
sobre suas conquistas, e não para esfregar nada na cara de ninguém.
Ficamos muito felizes por ele ter aceitado e ter vindo para o evento.
Não havia nenhuma ideologia ou segundas intenções por trás do convite,
apenas queríamos que ele abordasse os temas relativos à sua pesquisa, e
reconhecer sua determinação. Por anos, por décadas, ele acabou isolado
por seus colegas, as pessoas não acreditavam em sua pesquisa, mas ele
foi muito determinado. Diria que ele foi muito resoluto em seguir aquilo
em que acreditava, ser fiel à sua pesquisa, e é assim que se consegue
resultados. O Nobel que ele ganhou é o melhor sinal da importância de
ter uma boa ideia e ser forte o suficiente para persegui-la, tendo dados
suficientes para comprová-la. Foi por isso que o convidamos.
Robin Smith, da NeoStem, está empolgada com a parceria com o Vaticano e
a possibilidade de fazer seus colegas cientistas refletirem sobre as
implicações éticas e culturais de seu trabalho. (Foto:
Divulgação/NeoStem, Inc.)
O Vaticano e a NeoStem já têm algum tempo de parceria. Ela chegou a
mudar as concepções de cientistas do seu convívio que que ainda podem
ver “ciência” e “Vaticano” como entidades que não se misturam?
Robin Smith: Essa tem sido uma colaboração maravilhosa. Temos
gerado diálogo entre pesquisadores de vários campos de estudo ao redor
do mundo. Estamos focados em nossa missão: educar as pessoas sobre os
avanços nas pesquisas com células-tronco adultas e ajudar a levantar
recursos para financiar testes clínicos. Também estamos trabalhando com o
público estudantil, para que as próximas gerações possam entender o
poder e o potencial da terapia celular. Nossa parceria fez a discussão
avançar – estamos encorajando o diálogo aberto e a colaboração para
fazer a tecnologia avançar, tanto por meio do livro
The Healing Cell: How the Greatest Revolution in Medical History is Changing Your Life, que o monsenhor Trafny, o dr. Max Gomez e eu escrevemos, quanto por meio de outras iniciativas educacionais.
Como poderíamos resumir, até agora, o que foi conseguido com a
pesquisa com células-tronco adultas? Que terapias já estão disponíveis
para humanos, e quais podem se tornar realidade num futuro próximo?
Robin Smith: Há 4,7 mil testes clínicos em curso que usam
terapias com células-tronco adultas, e percebemos o ânimo entre os
colegas à medida que mais e mais dados são publicados em revistas
acadêmicas, mostrando o avanço das tecnologias celulares. Acreditamos
que, se você olhar para a indústria como um todo, conseguirá ver um
grande progresso sendo feito. Por exemplo, na medicina cardiovascular há
uma grande empolgação com as possíveis terapias. Há alguns produtos de
terapia celular já aprovados em ortopedia, como o Carticel, da Genzyme,
para a indústria de cartilagens articulares. Para mim, os dados mostram a
animação em torno dos avanços em várias frentes clínicas, e esperamos
ver ainda mais disso no futuro.
A pesquisa com embriões pode dar resultados similares no futuro, ou mais cedo ou mais tarde chegará a um beco sem saída?
Mons. Trafny: Não sabemos. É até possível que a pesquisa com
células-tronco embrionárias dê resultados, mas a verdadeira questão é se
é correto fazer tudo o que seja tecnicamente possível. E estamos
fazendo essa pergunta aos cientistas. Claro que muitos não compartilham
da sensibilidade moral e ética dos cristãos e dos católicos nesse tema
específico, mas de qualquer forma as pessoas deveriam pensar sobre as
potenciais consequências de agredir a vida humana. Se não temos nenhum
limite, que diferença faz destruir a vida em seu início, ou no meio, ou
no fim? Então, há coisas que, de um ponto de vista meramente
técnico-científico, são possíveis, como usar embriões em pesquisa, mas
queremos que a sociedade pergunte a si mesma se podemos fazer isso, de
um ponto de vista moral. Essa é a questão.
Quando falamos de bioética, qual é a sua visão sobre a relação
entre ciência e fé? Quais os limites para a ação de igrejas e grupos
religiosos na esfera pública? Eles poderiam, por exemplo, pressionar por
uma legislação restritiva em relação a práticas como o aborto, a
eutanásia ou a pesquisa com embriões?
Mons. Trafny: A sociedade ocidental foi construída sobre a
ética cristã, e isso é algo que mesmo não católicos reconhecem. Há um
livro maravilhoso de outro prêmio Nobel, Richard Feynman, chamado
The meaning of it all,
uma coleção de palestras que ele deu na Universidade de Washington. Ele
diz que temos de reconhecer que a ética cristã é um dos grandes
patrimônios que temos, e que nas sociedades ocidentais é sob a lógica da
ética cristã que agimos. Então, se tudo está construído sobre essa
base, é natural que os cristãos levantem questões éticas, inclusive em
relação a avanços científicos. Não nos esqueçamos de que pessoas como J.
Robert Oppenheimer e o próprio Feynman trabalharam no desenvolvimento
da bomba atômica e depois perceberam quão nocivo e eticamente
questionável era o seu trabalho. Nós deveríamos ter o direito de
levantar questões morais e trazê-las para a esfera pública.
Robin Smith: Para a ciência avançar, precisamos respeitar as
crenças das pessoas, sejam elas religiosas, éticas ou de alguma outra
natureza. É importante considerar as diferentes perspectivas. Mas, no
fim, acreditamos que é o potencial de combater o sofrimento e as doenças
crônicas que vai convencer as pessoas e nos ajudar a levar adiante a
pesquisa com células-tronco. E, embora essa seja uma parceria com a
Igreja Católica, esse potencial deveria ser compreendido por todos,
independentemente de filiação religiosa. Eu mesmo sou judia, mas me
concentro no que podemos fazer para melhorar a humanidade e reduzir o
sofrimento causado pela doença.
Como essa parceria afetou a sua visão pessoal sobre o modo como a Igreja Católica vê a ciência?
Robin Smith: É incrível ver como o Vaticano e o Pontifício
Conselho para a Cultura têm sido tão abertos a ajudar as pessoas a
entender a ciência, o valor de apoiar uma ciência ética, e o impacto
cultural que as ciências terão no futuro. Para mim, tem sido um
aprendizado em múltiplos níveis, especialmente em relação à capacidade
que a Igreja Católica tem para influenciar a percepção das pessoas.
Também aprendi muito sobre a importância da parceria com vários
cientistas em todo o mundo para ajudá-los a compreender o valor de uma
ciência feita eticamente, o impacto cultural dos avanços que vemos hoje,
e o poder desses avanços para o futuro.
O monsenhor Tomasz Trafny defende o direito dos cristãos de levar à
esfera pública questionamentos éticos sobre práticas científicas. (Foto:
Claudio Martinez)
A última conferência sobre o tema no Vaticano
não incluiu nenhum encontro com o papa Francisco, e também não houve
nenhuma mensagem por parte dele aos participantes do encontro, ao
contrário do que Bento XVI havia feito na primeira conferência. Vocês já tiveram a chance de encontrar o pontífice e conversar com ele sobre esses temas?
Mons. Trafny: Como você sabe, quando realizamos a conferência o
papa Francisco tinha acabado de ser eleito, e seria muito difícil
reorganizar a agenda dele e nossa. Mas o cardeal Gianfranco Ravasi
[presidente do Pontifício Conselho para a Cultura] prometeu manter o
papa informado sobre todos os desdobramentos. Estamos preparando um
documento pós-conferência para levar ao Santo Padre, e obviamente
queremos encontrá-lo e ouvir suas palavras e seu conselho sobre como
deveríamos agir e sobre o que ele tem em mente em relação ao que há de
mais importante para fazermos. Sabemos que ele é bem aberto e esperamos
estar com ele em breve não só para apresentar o que fizemos, mas também o
que pretendemos fazer.
Suponho que as expectativas são altas, quando se fala do papa Francisco e de bioética…
Mons. Trafny: (risos) Quando estamos falando de um
papa, não é tanto sobre ter expectativas, mas sobre seguir seu
ensinamento e prestar atenção a suas declarações sobre o valor da vida
humana e sobre a situação dramática daqueles que são afetados por
diversas formas de sofrimento. Todos sabemos que ele tem uma
sensibilidade especial em relação aos que sofrem. Desse ponto de vista,
acho que o papa vai não apenas apoiar nossa iniciativa, mas também dará
ótimos conselhos e apontar direções concretas para tomarmos.
Em junho de 2012 vocês encontraram o papa Bento XVI. Como descreveriam o interesse do papa emérito pela ciência?
Mons. Trafny: O papa Bento é um grande teólogo, e ele precisou
lidar por anos com essas questões relativas a pesquisa com
células-tronco embrionárias e adultas quando foi prefeito da Congregação
para a Doutrina da Fé. Então, creio que para ele era natural apoiar a
pesquisa com células-tronco adultas e nossa iniciativa porque ele estava
muito consciente das implicações morais e éticas da pesquisa com
embriões. Para ele, era fácil entender e se envolver com a questão. Como
você sabe, o papa Francisco, por outro lado, vem de um ambiente mais
pastoral, então levará um tempo para que ele se inteire das questões
mais específicas, às vezes acadêmicas, mas que também têm um profundo
impacto pastoral, moral e social.
Quais são as próximas etapas dessa parceria? Há a possibilidade de
incluir outros grupos religiosos que também se interessam pela pesquisa
com células-tronco adultas, ou estabelecer novas iniciativas?
Robin Smith: Certamente! Essa parceria é um grande modelo
sobre o qual podemos construir ainda mais, com outros grupos, para
ajudar a espalhar nossa mensagem. Como disse antes, estamos trabalhando
em uma iniciativa global com o objetivo de fomentar a educação e as
terapias celulares com a pesquisa com células-tronco adultas.
Mons. Trafny: Claro que queremos agir globalmente, e
precisamos começar de algum lugar. O passo importante é reunir pessoas, e
fazer com que nossos padres e bispos entendam o potencial da medicina
regenerativa e da pesquisa com células-tronco. A conferência de abril
serviu para isso; identificamos pessoas e pedimos que elas colaborassem
conosco nisso. Agora, o próximo passo é chegar aos estudantes. Estamos
organizando eventos, incluindo programas de “estudantes-embaixadores” e
convidando alunos de várias universidades para participar das
conferências. Estamos pensando em como atrair mais pessoas desse nível
que desejem se envolver com nosso trabalho, então seguimos convidando
universidades e pedindo que elas enviem alunos para fazer parte disso,
de modo que tenhamos um bom padrão de ensino para os jovens. A partir
disso, gostaríamos de expandir nossa atuação pública.
Robin Smith: Estamos conversando com educadores e
universidades em todo o mundo para criar uma rede que inclua de
cientistas a líderes religiosos, homens de negócios, ministros da Saúde e
políticos. Queremos estabelecer um ponto focal para uma rede mundial de
colaboradores. Começamos a fazer isso com nossa primeira conferência,
em novembro de 2011, e expandimos o trabalho em abril deste ano, com a
segunda conferência. Atraímos muitos cientistas, jornalistas de ponta
como Meredith Vieira e Bill Hemmer, bem como políticos e desenvolvedores
de políticas públicas, que vieram e discutiram por três dias sobre
todas as diferentes perspectivas e os avanços científicos nessa área.
Agora, essas pessoas estão ajudando a ampliar nossa rede e ela seguirá
crescendo com cada atividade que organizarmos. Por isso publicamos
The healing cell, com um prefácio do papa Bento XVI. Estamos mostrando ao mundo como a medicina do futuro começa hoje.
——
Entrevista: doutor em Bioética fala dos dilemas da reprodução assistida
Na Gazeta do Povo deste sábado foi publicada um
trecho da entrevista que fiz com o doutor em Bioética Mario Antonio
Sanches, um dos palestrantes do Seminário Arquidiocesano de Valorização e
Promoção da Vida, que ocorre neste domingo, na PUCPR. Confiram abaixo a
íntegra do texto:
* * * * * * *
Professor Mario Antônio Sanches e seu novo livro, “Reprodução Assistida
e Bioética- Metaparentalidade” (foto: Daniel Castellano / Gazeta do
Povo
Dilemas éticos da reprodução assistida
Doutor em Bioética lança livro sobre as consequências da fertilização artificial na experiência da paternidade
As mudanças na experiência da paternidade causadas pelas técnicas de
reprodução assistida são o foco do último livro do professor Mario
Antônio Sanches, teólogo, doutor em Bioética, e coordenador do mestrado
em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Sanches adiantou à Gazeta do Povo um pouco do que dirá na palestra de
lançamento da obra “Reprodução Assistida e Bioética – Metaparentalidade”
que ocorre neste domingo, às 8h, durante
Seminário Arquidiocesano de Valorização e Promoção da Vida, na PUCPR.
O que é “metaparentalidade” ?
É um neologismo que mostra como a parentalidade, que é o ser pai e
mãe naturalmente, é transformada na reprodução assistida. A
parentalidade natural é um tanto aleatória e começa na intimidade do
casal. Na reprodução assistida ela ocorre no consultório médico, no
laboratório e vira assunto de profissionais. Não envolve apenas o casal,
agora entra o psicólogo, o juiz, o advogado, o embriólogo, o
farmacêutico. O problema é que em meio a tudo isso, ocorrem alguns
atropelos, porque os casais que buscam essa alternativa nem sempre tomam
a decisão de forma totalmente livre e consciente do processo.
Que tipo de pressão há sobre quem busca essa alternativa ?
Às vezes o casal nem quer filhos tanto assim, e é a família que
insiste para que tenham. Outras vezes um cônjuge está disposto a fazer
tudo e pagar qualquer preço, mas o outro prefere definir limites. Mas há
também uma enorme influência econômica que vê esses casais apenas como
clientes em potencial.
Como julgar eticamente essa nova realidade ?
Acho que a ética da reprodução assistida deve partir do princípio de
que o pacote de técnicas que estão disponíveis não devem atropelar o meu
projeto de vida. Se não a gente inverte a ordem das coisas. As pessoas
acabam desenhando um projeto de vida a partir daquilo que a técnica
oferece. Você não faz uma cirurgia cardíaca só porque está disponível,
por exemplo. A técnica é um apoio, não pode ser o ponto de partida.
Há abusos nessa área ?
No campo da reprodução assistida há muita gente lucrando. Claro que
há clínicas sérias, que pedem acompanhamento psicológico antes da tomada
de decisão sobre o tratamento, mas há outras que iniciam o tratamento
no dia seguinte ao pedido, mesmo que o casal não conheça todas as
consequências do processo. Um exemplo é a possibilidade de sobra de
embriões fertilizados, que ficarão no laboratório. E se o casal alegar
motivos de consciência para não aceitar essa possibilidade ? Eles
precisam saber desse risco. É aí que você percebe que a economia está
atropelando os projetos de vida das pessoas.
Eu fiz uma pesquisa na Espanha e lá há um relatório da Sociedade
Espanhola de Fertilidade no qual é mostrado que a cada bebê que nasce
por reprodução assistida são fertilizados 14 embriões, em média. Será
que os casais que buscam essa alternativa sabem o que ocorre com os
outros ?
No ano passado ficou famoso o caso de uma menina brasileira
que foi selecionada geneticamente para ser compatível com a irmã, que
sofria de uma doença rara e precisava de células saudáveis que viriam do
bebê. A Bioética tem refletido sobre casos como esse ?
É o tipo de caso no qual nós temos muitas questões complexas. A
questão moral mais grave é que se produzem vários embriões. Então é
feito um PGD (Diagnóstico Genético Pré-Implantacional) para identificar
qual é o embrião compatível com aquela criança que eu quero salvar, e os
que não são compatíveis são descartados. O problema começa por aí.
Depois nós já entramos em outro problema, e isso vai além da reflexão
cristã. A filosofia kantiana já diz que cada ser humano deve ser visto
como um fim em si mesmo. É a questão da autonomia, ninguém pode ser
manipulado. Então, se eu produzo um embrião para tirar células e salvar
terceiros, esse que está nascendo está sendo instrumentalizado. E aí
ocorre aquele problema mostrado em alguns filmes no qual chega um ponto
em que a criança gerada diz “não quero mais”.
Imagine o que é para uma criança saber que a mãe só o planejou para
que fosse um instrumento para salvar o outro filho. Percebe quantos
problemas psicológicos surgem desse processo ? Chega um ponto em que a
criança não quer ser mais instrumentalizada. A criança acaba correndo um
enorme risco de não ser amada por si mesma.
A gente compreende a dor dos pais que tem um bebê de 3 ou 4 anos e
vai morrer. No desespero cria-se uma terapia que, na verdade, gera outro
problema. É a pressa, o desepero. Claro que esses casais não podem ser
condenados, mas percebe-se que se cometeu um exagero.
O senhor também é teólogo e o evento do qual participará
pretende apresentar o que a Igreja tem a dizer sobre o tema. A posição
católica sobre aborto e células-tronco embrionárias é bem conhecida, mas
questão de reprodução assistida me parece menos comentada. O que a
Igreja diz a respeito ?
Temos dois documentos da Igreja que abordaram a problemática. Um
deles é chamado Donum Vitae, que é de 1987, e outro de 2008 que é o
Dignitas Personae.
A Igreja defende a perfeita união entre o ato conjugal e a
reprodução, chamados de ato unitivo e ato procriativo. Essa é o contexto
de reprodução ideal para Igreja Católica, portanto ela não aconselha
nenhuma reprodução que quebre essa unidade. E a Igreja entende que a
reprodução assistida quebra essa unidade, porque a reprodução não
ocorreu pelo ato sexual. Os gametas foram retirados do marido e da
mulher e, pela fertilização in vitro, foram fertilizados fora do corpo.
Essa prática não é aceita, mesmo que seja homóloga, e que os gametas
venham do próprio casal.
Entretanto, os próprios documentos fazem uma gradação, mostram que há
problemas mais graves do que outros. O fato da fertilização se dar fora
do corpo já não é aceitável, mas o problema é mais grave quando os
gametas são de terceiros . Nessa situação a Igreja fala da quebra da
unidade genética do casal. Isso ocorre, por exemplo, quando a mulher é
fertilizada pelo sêmen que veio de um banco de sêmen, e não do seu
cônjuge.
Depois, a Igreja alerta sobre a possibilidade de colocar o embrião em
risco de vida. Ela defende a dignidade do embrião humano, e essa
dignidade trás uma problemática maior, porque o descarte de embriões é
muito próximo da questão moral do aborto.
Outro exemplo é, como citamos, a seleção embrionária, que descarta
embriões considerados incompatíveis geneticamente. Então o
posicionamento da Igreja vai tendo nuances mais ou menos severos. Como
tudo em bioética, a Igreja recomenda que se dê muita atenção às
particularidades de cada caso.